GOUVEIA MONTEIRO, J.– O exame de aptidão e o «numerus clausus». In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 341-343.
Excerto:
Tudo o que, num Estado, sejam medidas coercitivas, merece, em princípio, a nossa oposição. Particularmente, barrar o acesso a uma educação superior que voluntariamente se procura, é atentatório da liberdade e dignidade pessoais e entrave absurdo à elevação do nível social. Nestas circunstâncias, só razões extremamente ponderosas poderiam legitimar um numerus clausus.
Não é moral invocar a escassez do pessoal docente para justificar a limitação numérica dos cursos. Se o desequilíbrio existe, tem que eliminar-se pela multiplicação dos monitores e não pelo rateio dos alunos. Isto não só porque todo o indivíduo deve ter direito à educação superior, como ainda porque iria limitar o número de médicos que saem das Faculdades, desta maneira comprometendo a cobertura sanitária da Nação.
A única razão aparentemente válida para o numerus clausus seria a pletora médica. Acontece, porém, que esta não existe em Portugal, país onde há falta e não superabundância de médicos. Ainda que houvesse excesso, pergunta-se até que ponto seria legítima a restrição. Estes ajustamentos fazem-se mais ou menos automaticamente, e a ter de haver alguns prejudicados – sempre os há – antes o sejam por sua própria culpa que por imposição oficial.
Além disso, ainda mesmo admitindo que algum dia surgisse a necessidade absoluta de impor limitações às licenciaturas, não se seguia necessariamente que houvesse de processar-se através do numerus clausus. Tem este, é certo, uma vantagem que é o desviar precoce do rejeitado para outra carreira, antes de ter perdido anos que lhe serão praticamente inúteis. Mas tem igualmente um grave inconveniente, qual seja o de uma selecção prematura e mal fundamentada. Não são raros os alunos que, depois de um curso liceal apagado, ou até difícil, vêm a brilhar na Faculdade e na vida profissional. O aparente paradoxo compreende-se bem pela desigual rapidez de maturação dos vários indivíduos e pelo carácter algo unilateral de certos talentos. Por isso, a fazer-se um rateio, haveria que colocá-lo um pouco mais tarde, possivelmente nos anos básicos da Faculdade, elevando o padrão dos respectivos exames. O aluno teria assim desperdiçado um ou dois anos, mas a selecção seria mais segura. Numa ou noutra modalidade, sempre haveria vítimas, mas o numerus clausus traria muito maior risco de condenar inocentes. (p. 343).
(in «Considerações sobre o exame de aptidão e o numerus clausus, Estudos, Junho – Julho de 1967).
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Saturday, May 31, 2008
Friday, May 30, 2008
Actualidades I.112. Ensino Integrado
CÂNDIDO DE OLIVEIRA, J.– Estrutura do curso médico. In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 344-348.
Excertos:
O estudante industriado nas matérias duma disciplina sente erradamente que a sua obrigação para com as citadas matérias cessou com o exame. Deste modo, o ensino das várias cadeiras assume um aspecto fragmentário que falseia a unidade do curso. É indispensável que se introduza o ensino de ligação (liaison teaching), único que permite não só uma integração horizontal das disciplinas de cada ano, mas ainda uma integração vertical das matérias ao longo do curso. Para tal é imprescindível que os professores se adaptem a esta nova metodologia, hoje já ensaiada em várias escolas por esse mundo, e saibam colaborar uns com os outros neste ensino integrado. Mas, por seu lado, é também imperioso que a ordenação das disciplinas do curriculum médico seja revista nesse sentido. (p. 344).
Excertos:
O estudante industriado nas matérias duma disciplina sente erradamente que a sua obrigação para com as citadas matérias cessou com o exame. Deste modo, o ensino das várias cadeiras assume um aspecto fragmentário que falseia a unidade do curso. É indispensável que se introduza o ensino de ligação (liaison teaching), único que permite não só uma integração horizontal das disciplinas de cada ano, mas ainda uma integração vertical das matérias ao longo do curso. Para tal é imprescindível que os professores se adaptem a esta nova metodologia, hoje já ensaiada em várias escolas por esse mundo, e saibam colaborar uns com os outros neste ensino integrado. Mas, por seu lado, é também imperioso que a ordenação das disciplinas do curriculum médico seja revista nesse sentido. (p. 344).
Thursday, May 29, 2008
Actualidades I.113. Formar Profissionais
É já hoje opinião quase obsessiva a de que educar um estudante não consiste na mera instilação continuada e progressiva duma multiplicidade de conhecimentos factuais. Torna-se impossível exigir do escolar, ainda que de feição muito superficial, toda a avalanche de matérias hoje indispensáveis para enfrentar uma prática clínica sem angústia. Tal é a raiz da insatisfação que atinge, a um tempo, o professor, o estudante, o médico e até o público consciente.
Mais do que um ensino coercivo de informação, espera-se duma escola médica que apronte os seus graduados do modo a serem capazes: de aprender por si próprios, de pensar cientificamente, isto é, criticamente, de saber aplicar o método clínico e, finalmente, de ter consciência das responsabilidades que cabem a quem exerce uma profissão liberal. Uma escola que preencha tais objectivos pode orgulhar-se de ser uma instituição de ensino superior que sabe formar profissionais basicamente educados.
Para tal cuidará, porém, de mondar escrupulosamente as matérias ensinadas e só ministrar aquelas que sirvam ao objectivo de educar. E aqui se digladiam educadores e professores, todos ciosos da sua disciplina, sobre a natureza das matérias a suprimir. No fundo, o problema poderia resolver-se a contento se cada mestre quisesse responder honestamente à pergunta: em que é que o ensino da minha disciplina contribui para fazer um médico basicamente educado? Assim desapareceriam do curriculum estudantil muitas das especialidades que agora o estão pejando e que teriam lugar apropriado noutro escalão mais avançado do ensino. (p. 345).
Mais do que um ensino coercivo de informação, espera-se duma escola médica que apronte os seus graduados do modo a serem capazes: de aprender por si próprios, de pensar cientificamente, isto é, criticamente, de saber aplicar o método clínico e, finalmente, de ter consciência das responsabilidades que cabem a quem exerce uma profissão liberal. Uma escola que preencha tais objectivos pode orgulhar-se de ser uma instituição de ensino superior que sabe formar profissionais basicamente educados.
Para tal cuidará, porém, de mondar escrupulosamente as matérias ensinadas e só ministrar aquelas que sirvam ao objectivo de educar. E aqui se digladiam educadores e professores, todos ciosos da sua disciplina, sobre a natureza das matérias a suprimir. No fundo, o problema poderia resolver-se a contento se cada mestre quisesse responder honestamente à pergunta: em que é que o ensino da minha disciplina contribui para fazer um médico basicamente educado? Assim desapareceriam do curriculum estudantil muitas das especialidades que agora o estão pejando e que teriam lugar apropriado noutro escalão mais avançado do ensino. (p. 345).
Wednesday, May 28, 2008
Actualidades I.114. Investigação dos Problemas Educacionais
Neste particular muito têm os educadores a reflectir, e hoje a soma de reuniões e publicações especializadas é tão volumosa que custa a tomar dela completa informação.
Dificilmente se pode, na época actual, falar em educação médica sem tomar como base os métodos da sua investigação. Há uma pedagogia médica substanciada em numerosos estudos, provinda de muitos países, mas particularmente da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, onde se reúnem congressos anuais só para discutir os problemas da investigação em educação médica. Não cabe portanto ao leigo, e até ao professor pouco informado, pontificar sobre semelhante tema. Desta feita me penitencio pela ousadia, sem deixar de extrair a lição de que muito temos entre nós que aprender para estruturar um novo curriculum médico que sirva às necessidades da ciência, às aspirações do estudante e às solicitações da sociedade portuguesa.
Há que recordar que a ciência não se pratica sem esforço nem meditação e, para tanto, é mister que o professor se vote inteiramente ao ensino e à pesquisa. Assim o entenderam os países mais progressivos criando a função em tempo integral, devidamente remunerada, e esse foi o segredo da alta qualidade da medicina anglo-americana. A própria França se rendeu à evidência com a inclusão do exercício integral do professorado na última reforma médica. Não têm faltado vozes entre nós a defender tal princípio, que situaria desde logo as nossas Faculdades ao nível das mais cotadas. Vou mesmo ao ponto de afirmar que, enquanto não enveredarmos por esta senda, nunca sairemos do estado de menoridade científica, que é timbre das nossas instituições culturais. Só então o professor, liberto doutras preocupações, poderia juntar aos seus deveres pedagógicas e científicos, o de investigar também em matéria de educação médica. Vão, todavia, mais além os países evoluídos, uma vez que contam nas suas Universidades educadores em tempo integral exclusivamente dedicados à pesquisa dos problemas educacionais.
Longo seria este tema da investigação médica para ser tratado de relance, mas não posso eximir-me ao dever de lembrar, mais uma vez, que não há Universidade sem investigação e que todo o esforço a dispender neste sentido é a mais nobre tarefa que governantes e governados podem empreender. Alma da própria Universidade, a pesquisa exige espírito de devoção que não pode apagar-se, e um substrato de investimentos que não deve ter medida. Um arremedo de subsídio distribuído em múltiplos quinhões exíguos poderá sangrar o tesouro nacional, mas não gera um clima de investigação válida. (p. 345-346).
Dificilmente se pode, na época actual, falar em educação médica sem tomar como base os métodos da sua investigação. Há uma pedagogia médica substanciada em numerosos estudos, provinda de muitos países, mas particularmente da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, onde se reúnem congressos anuais só para discutir os problemas da investigação em educação médica. Não cabe portanto ao leigo, e até ao professor pouco informado, pontificar sobre semelhante tema. Desta feita me penitencio pela ousadia, sem deixar de extrair a lição de que muito temos entre nós que aprender para estruturar um novo curriculum médico que sirva às necessidades da ciência, às aspirações do estudante e às solicitações da sociedade portuguesa.
Há que recordar que a ciência não se pratica sem esforço nem meditação e, para tanto, é mister que o professor se vote inteiramente ao ensino e à pesquisa. Assim o entenderam os países mais progressivos criando a função em tempo integral, devidamente remunerada, e esse foi o segredo da alta qualidade da medicina anglo-americana. A própria França se rendeu à evidência com a inclusão do exercício integral do professorado na última reforma médica. Não têm faltado vozes entre nós a defender tal princípio, que situaria desde logo as nossas Faculdades ao nível das mais cotadas. Vou mesmo ao ponto de afirmar que, enquanto não enveredarmos por esta senda, nunca sairemos do estado de menoridade científica, que é timbre das nossas instituições culturais. Só então o professor, liberto doutras preocupações, poderia juntar aos seus deveres pedagógicas e científicos, o de investigar também em matéria de educação médica. Vão, todavia, mais além os países evoluídos, uma vez que contam nas suas Universidades educadores em tempo integral exclusivamente dedicados à pesquisa dos problemas educacionais.
Longo seria este tema da investigação médica para ser tratado de relance, mas não posso eximir-me ao dever de lembrar, mais uma vez, que não há Universidade sem investigação e que todo o esforço a dispender neste sentido é a mais nobre tarefa que governantes e governados podem empreender. Alma da própria Universidade, a pesquisa exige espírito de devoção que não pode apagar-se, e um substrato de investimentos que não deve ter medida. Um arremedo de subsídio distribuído em múltiplos quinhões exíguos poderá sangrar o tesouro nacional, mas não gera um clima de investigação válida. (p. 345-346).
Tuesday, May 27, 2008
Actualidades I.115. Os Estudantes
Não se pode discorrer sobre a Universidade sem considerar os estudantes, a razão básica da sua existência. É neles que as escolas de medicina depositam todas as esperanças de futuro progresso no estudo e protecção da saúde dos povos. Os problemas e métodos educacionais são forjados em seu benefício. Devemos ficar-lhes gratos por terem escolhido uma carreira semeada de escolhos, plena de humanidade, votada a um estudo permanente, com uma responsabilidade sem par e recompensada por um salário irrisório. Há pois que tornar-lhes a tarefa mais branda e escolher a melhor forma de incutir e de apreciar os seus conhecimentos ao longo do curso. O actual regime de exames não satisfaz alunos nem professores. É necessário encontrar solução que conduza a um convívio estreito entre mestres e discípulos, de modo a suprimir em grande parte o acto traumatizante e inquisitorial do exame. Mas, para tanto, há que cuidar de diminuir a relação entre o número de docentes e o de discentes, ao ponto de se caminhar para um tipo de ensino tutorial ou seminarial a pequenos grupos, que tem dado boa frutificação noutras latitudes.
Quando pretendemos aliviar os estudantes do seu árduo trabalho, topamos com o edifício monumental das ciências médicas que não consente tolerâncias e a rigidez ética da profissão médica que no permite desvios. Terão, pois, não só de se conformar com satisfação do labor comprido, mas ainda de sofrer uma selecção rigorosa que permita lançar para o exercício da medicina apenas os mais aptos. A Sociedade não aceita médicos incompetentes: está em jogo a sua saúde. Nesta conformidade, as escolas anglo-saxónicas estabeleceram como norma uma rígida filtração dos seus candidatos, à entrada do curso, escolhendo apenas os que oferecem maiores garantias de êxito e limitando o seu número às possibilidades educativas da instituição. Os latinos, mais brandos, têm aberto as portas a todos os requerentes e admitido nos laboratórios e hospitais uma massa estudantil incomportável para a estrutura pedagógica das escolas. Não creio que esta medida, por demasiado liberal, traga benefícios ao próprio estudante e à escola que frequenta. Diz a experiência e confirmam-no os números, que há anualmente, uma quebra enorme no aproveitamento escolar, e que o pessoal de ensino médico se vê a braços com uma multidão de alunos pouco interessados que vão pejando as salas de aula e gastando inutilmente o tempo e o esforço dos mestres. Os mais aptos são prejudicados pela indiferença ou a incapacidade dos menos dotados. Há certamente um remédio para este mal, de que eu não possuo o segredo, mas tenho informação, através de algumas visitas e de múltiplas publicações, de que se vão efectuando experiências em diversas escolas estrangeiras, tendentes a seleccionar os estudantes de medicina por métodos mais racionais. Oxalá eles possam ser um dia introduzidos entre nós. E, se porventura, apesar de uma selecção a rigor se provar que é desmedido o número de estudantes aptos desejosos de seguir carreira universitária, então não se vê outra solução correcta que não seja o desdobramento da escola e a gestação de novas instituições providas de nova massa professoral. Tal é o caminho que nos apontam os povos mais progressivos. Mais professores, integralmente votados ao ensino e caldeados na investigação, maior número de escolas, mais perfeita selecção dos estudantes, maior estreitamento das relações professor-aluno, eis as regras de ouro a adoptar para a Universidade portuguesa que eu visiono.
(in «A universidade e a educação médica – Oração de Sapiência proferida na sessão de abertura do Ano Académico da Universidade Clássica de Lisboa, em 16 de Novembro de 1966). (p. 347-348).
Quando pretendemos aliviar os estudantes do seu árduo trabalho, topamos com o edifício monumental das ciências médicas que não consente tolerâncias e a rigidez ética da profissão médica que no permite desvios. Terão, pois, não só de se conformar com satisfação do labor comprido, mas ainda de sofrer uma selecção rigorosa que permita lançar para o exercício da medicina apenas os mais aptos. A Sociedade não aceita médicos incompetentes: está em jogo a sua saúde. Nesta conformidade, as escolas anglo-saxónicas estabeleceram como norma uma rígida filtração dos seus candidatos, à entrada do curso, escolhendo apenas os que oferecem maiores garantias de êxito e limitando o seu número às possibilidades educativas da instituição. Os latinos, mais brandos, têm aberto as portas a todos os requerentes e admitido nos laboratórios e hospitais uma massa estudantil incomportável para a estrutura pedagógica das escolas. Não creio que esta medida, por demasiado liberal, traga benefícios ao próprio estudante e à escola que frequenta. Diz a experiência e confirmam-no os números, que há anualmente, uma quebra enorme no aproveitamento escolar, e que o pessoal de ensino médico se vê a braços com uma multidão de alunos pouco interessados que vão pejando as salas de aula e gastando inutilmente o tempo e o esforço dos mestres. Os mais aptos são prejudicados pela indiferença ou a incapacidade dos menos dotados. Há certamente um remédio para este mal, de que eu não possuo o segredo, mas tenho informação, através de algumas visitas e de múltiplas publicações, de que se vão efectuando experiências em diversas escolas estrangeiras, tendentes a seleccionar os estudantes de medicina por métodos mais racionais. Oxalá eles possam ser um dia introduzidos entre nós. E, se porventura, apesar de uma selecção a rigor se provar que é desmedido o número de estudantes aptos desejosos de seguir carreira universitária, então não se vê outra solução correcta que não seja o desdobramento da escola e a gestação de novas instituições providas de nova massa professoral. Tal é o caminho que nos apontam os povos mais progressivos. Mais professores, integralmente votados ao ensino e caldeados na investigação, maior número de escolas, mais perfeita selecção dos estudantes, maior estreitamento das relações professor-aluno, eis as regras de ouro a adoptar para a Universidade portuguesa que eu visiono.
(in «A universidade e a educação médica – Oração de Sapiência proferida na sessão de abertura do Ano Académico da Universidade Clássica de Lisboa, em 16 de Novembro de 1966). (p. 347-348).
Monday, May 26, 2008
Actualidades I.116. Transformação das Mentalidades
JACINTO NUNES, M. – O ensino das Ciências Económicas em Portugal e os objectivos da Universidade. In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 354-368.
Excertos:
A reforma do ensino em geral e de modo particular a do ensino universitário constitui tema da mais vincada actualidade.
O ritmo a que se verifica o progresso da Ciência e da Técnica – em especial a partir do segundo quartel deste século, a aceleração dos processos de desenvolvimento económico e as transformações sociais do mundo hodierno, desactualizando programas e impondo novos métodos, levam à necessidade de ajustamentos frequentes no ensino.
Estas características tornam aconselhável que os quadros reguladores do ensino – em especial o universitário – sejam suficientemente flexíveis para que esses ajustamentos se vão processando sem necessidade de alterações constantes de orgânica.
Não significa esta posição uma atitude anti-reforma. Ainda não há muito, em outro local, tivemos oportunidade de escrever que «a aspiração colectiva de reforma da Universidade parece corresponder efectivamente a uma necessidade real de reajustamento da Universidade às funções que lhe são exigidas pelas características da época em que vivemos», e ainda que «as reformas são condição essencial da sobrevivência das instituições, e por isso a Universidade quer reformar-se».
O que procurávamos prevenir com a flexibilidade preconizada – precisamente um dos princípios da reforma a realizar – era o «mito reformista», uma das formas de «utopismo normativista» de que fala o Prof. Adriano Moreira, que consiste em esperar que de um diploma regulamentar surja a resolução do todos os problemas. As reformas legais são condição necessária da resolução de muitas das questões que afligem a Universidade na medida em que criam condicionalismos propícios, mas não são condição, por si só, suficiente. a própria Universidade – em especial os seus mestres – terão de fornecer para esse objectivo contributo relevante.
Impõe-se a renovação dos métodos e sistemas de Universidade – para que ela possa viver ao ritmo da nossa época. A Universidade não pode, com efeito, continuar a utilizar os processos e a reger-se por princípios de há meio século – daí a exigência de uma reforma.
Mas uma transformação porventura não menos importante é a que se requer nas mentalidades. Há que libertar-nos de ideias ultrapassadas, embora tal não seja fácil, pois «as ideias velhas parece que morrem com dificuldade». (p. 354-355).
Excertos:
A reforma do ensino em geral e de modo particular a do ensino universitário constitui tema da mais vincada actualidade.
O ritmo a que se verifica o progresso da Ciência e da Técnica – em especial a partir do segundo quartel deste século, a aceleração dos processos de desenvolvimento económico e as transformações sociais do mundo hodierno, desactualizando programas e impondo novos métodos, levam à necessidade de ajustamentos frequentes no ensino.
Estas características tornam aconselhável que os quadros reguladores do ensino – em especial o universitário – sejam suficientemente flexíveis para que esses ajustamentos se vão processando sem necessidade de alterações constantes de orgânica.
Não significa esta posição uma atitude anti-reforma. Ainda não há muito, em outro local, tivemos oportunidade de escrever que «a aspiração colectiva de reforma da Universidade parece corresponder efectivamente a uma necessidade real de reajustamento da Universidade às funções que lhe são exigidas pelas características da época em que vivemos», e ainda que «as reformas são condição essencial da sobrevivência das instituições, e por isso a Universidade quer reformar-se».
O que procurávamos prevenir com a flexibilidade preconizada – precisamente um dos princípios da reforma a realizar – era o «mito reformista», uma das formas de «utopismo normativista» de que fala o Prof. Adriano Moreira, que consiste em esperar que de um diploma regulamentar surja a resolução do todos os problemas. As reformas legais são condição necessária da resolução de muitas das questões que afligem a Universidade na medida em que criam condicionalismos propícios, mas não são condição, por si só, suficiente. a própria Universidade – em especial os seus mestres – terão de fornecer para esse objectivo contributo relevante.
Impõe-se a renovação dos métodos e sistemas de Universidade – para que ela possa viver ao ritmo da nossa época. A Universidade não pode, com efeito, continuar a utilizar os processos e a reger-se por princípios de há meio século – daí a exigência de uma reforma.
Mas uma transformação porventura não menos importante é a que se requer nas mentalidades. Há que libertar-nos de ideias ultrapassadas, embora tal não seja fácil, pois «as ideias velhas parece que morrem com dificuldade». (p. 354-355).
Sunday, May 25, 2008
Actualidades I.117. A Investigação a Cargo das Universidades
«A investigação a cargo das Universidades continuará a ter papel de primacial importância como verdadeira base do progressos científico. Às Universidades deverão pois ser dadas todas as condições para poderem desempenhar-se cabalmente dessas suas responsabilidades. Múltiplas são aqui as suas funções: compete-lhes promover o desenvolvimento dos conhecimentos fundamentais, que estão na origem de todos os outros; fazer investigação aplicada, dentro de certos limites; assegurar a ligação entre a investigação fundamental que nelas ou nos centros ou institutos a elas ligados tem a sua sede própria, e os outros sectores que se dedicam à investigação aplicada; formar os investigadores; manter um permanente ambiente de pesquisa que leve incessantemente os mestres a actualizarem os seus conhecimentos e a renovarem e elevarem o nível do seu ensino». Decreto-Lei n.º 47 791, de 11 de Julho de 1967. (p. 366-367).
Saturday, May 24, 2008
Actualidades I.118. Para a Investigação na Universidade
«Consideramos fundamental, para que investigação tenha na Universidade o lugar que lhe compete, a adopção urgente de certas medidas.
Em primeiro lugar, impõe-se a criação para os professores universitários do regime de tempo integral, com o nível de remuneração adequado ao exercício exclusivo do Magistério Superior. O regime seria, pelo menos de início, voluntário.
Uma outra condição básica é a criação de cursos de pós-graduados, de frequência obrigatória, mas não exclusiva, pelos candidatos a doutoramentos.
A concretização das duas condições indicadas pressupõe também o alargamento dos quadros e a multiplicação dos institutos, centros de estudo, gabinetes, etc., ligados à Universidade e sua dotação apropriada.
Ainda um outro aspecto relacionado com a questão em análise é o de um maior contacto entre as entidades públicas e as empresas privadas, por um lado, e a Universidade, por outro, de que beneficiariam tanto as primeiras como a última.» (p. 367-368).
Em primeiro lugar, impõe-se a criação para os professores universitários do regime de tempo integral, com o nível de remuneração adequado ao exercício exclusivo do Magistério Superior. O regime seria, pelo menos de início, voluntário.
Uma outra condição básica é a criação de cursos de pós-graduados, de frequência obrigatória, mas não exclusiva, pelos candidatos a doutoramentos.
A concretização das duas condições indicadas pressupõe também o alargamento dos quadros e a multiplicação dos institutos, centros de estudo, gabinetes, etc., ligados à Universidade e sua dotação apropriada.
Ainda um outro aspecto relacionado com a questão em análise é o de um maior contacto entre as entidades públicas e as empresas privadas, por um lado, e a Universidade, por outro, de que beneficiariam tanto as primeiras como a última.» (p. 367-368).
Friday, May 23, 2008
Actualidades I.119. Para Quê Ciências Sociais
FERREIRA DE ALMEIDA, J. C. – Situação e problemas do ensino de Ciências Sociais em Portugal. In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 369-401.
Excertos:
Pode pôr-se o problema: para além da satisfação da curiosidade, da vontade de saber e de cientificamente saber - para quê ciências sociais? A resposta pode ser dada por referência àquilo que constitui o desafio maior do nosso tempo: o desenvolvimento. É verdade que este tema - as ciências sociais e o desenvolvimento - tem sido amplamente tratado numa literatura que vai sendo já internacionalmente abundante. Mas não é menos verdade que, nomeadamente num certo número de países, entre os quais o nosso, existem tão poucas indícios - concretização social - de percepção do problema, que vale a pena repisá-lo.
Como escreve Friedrich Schneider, Presidente do Comité Interino da Conferência Ministerial sobre a Ciência, da O.C.D.E., no prefácio ao relatório sobre «As ciências sociais e a política dos governos»: «numa época marcada pelo desenvolvimento rápido do progressos científico e técnico, particularmente visível na industrialização e nas modificações que daí resultam para a cultura e para as sociedades, as ciências sociais têm um papel vital a desempenhar para que se torne possível a identificação, a compreensão e a interacção dos problemas humanos e sociais levantados pelos rápidos progressos da ciência, da técnica e da mecanização. Por isso têm necessariamente uma contribuição a dar ao desenvolvimento das nossas sociedades e da civilização […]». Em termos de acção, o conhecimento científico é uma mediação - e não a única; mas uma mediação cada vez menos dispensável. E quando a acção visa explícita e directamente a sociedade, o conhecimento do social é verdadeiramente imprescindível, sob pena de se multiplicarem as actuações ineficazes, quando não até o agravamento das situações a corrigir.
A ilustração das considerações precedentes pode ser feita nos mais variados campos. Entre os mais importantes encontra-se o do planeamento. O desenvolvimento não é apenas uma situação, mas também uma acção voluntária e uma reivindicação - como tem vindo a ser lembrado com insistência por, entre outros, Alain Touraine. Ora, a planificação é (ou pode ser) justamente um dos instrumentos privilegiados dessa acção voluntária tendente a promover o desenvolvimento. Trata-se, porém, de um instrumento exigente e difícil. A esse respeito se diz, ainda no referido relatório da O.C.D.E.: «[…] os processos de planificação cada vez se revelam mais complexos e difíceis de manejar. O esforço de previsão não pode satisfazer-se com projecções ou com extrapolações, deve apoiar-se numa visão clara das interdependências sociais. […] O desenvolvimento já não pode exprimir-se unicamente em termos de investimentos e de produção, de prioridades a estabelecer entre dados económicos somente. […] Um grande número de projectos que se justificam perfeitamente sob um ponto de vista económico requerem, para alcançarem sucesso, conhecimentos psicológicos, sociológicos, culturais, cuja ausência ou insuficiência comprometem a aplicação das decisões.»
Do mesmo teor são as considerações de Claude Gruson - director-geral do Instituto Nacional de Estatística e dos Estudos Económicos (França) e, nessa qualidade, personagem das mais responsáveis no sistema francês de planificação -, quer num artigo cuja tradução foi publicada em Análise Social, quer noutros textos e intervenções.
Por outro lado, se se considerar, não o objectos do planeamento, mas o próprio planeamento como objecto, pode acentuar-se, como Michel Crozier, que se torna «indispensável conhecer os limites de ordem essencialmente psicossociológica que pesam sobre as decisões e encontrar os processos de integrar tal conhecimento no raciocínio global» (p. 383-385).
Excertos:
Pode pôr-se o problema: para além da satisfação da curiosidade, da vontade de saber e de cientificamente saber - para quê ciências sociais? A resposta pode ser dada por referência àquilo que constitui o desafio maior do nosso tempo: o desenvolvimento. É verdade que este tema - as ciências sociais e o desenvolvimento - tem sido amplamente tratado numa literatura que vai sendo já internacionalmente abundante. Mas não é menos verdade que, nomeadamente num certo número de países, entre os quais o nosso, existem tão poucas indícios - concretização social - de percepção do problema, que vale a pena repisá-lo.
Como escreve Friedrich Schneider, Presidente do Comité Interino da Conferência Ministerial sobre a Ciência, da O.C.D.E., no prefácio ao relatório sobre «As ciências sociais e a política dos governos»: «numa época marcada pelo desenvolvimento rápido do progressos científico e técnico, particularmente visível na industrialização e nas modificações que daí resultam para a cultura e para as sociedades, as ciências sociais têm um papel vital a desempenhar para que se torne possível a identificação, a compreensão e a interacção dos problemas humanos e sociais levantados pelos rápidos progressos da ciência, da técnica e da mecanização. Por isso têm necessariamente uma contribuição a dar ao desenvolvimento das nossas sociedades e da civilização […]». Em termos de acção, o conhecimento científico é uma mediação - e não a única; mas uma mediação cada vez menos dispensável. E quando a acção visa explícita e directamente a sociedade, o conhecimento do social é verdadeiramente imprescindível, sob pena de se multiplicarem as actuações ineficazes, quando não até o agravamento das situações a corrigir.
A ilustração das considerações precedentes pode ser feita nos mais variados campos. Entre os mais importantes encontra-se o do planeamento. O desenvolvimento não é apenas uma situação, mas também uma acção voluntária e uma reivindicação - como tem vindo a ser lembrado com insistência por, entre outros, Alain Touraine. Ora, a planificação é (ou pode ser) justamente um dos instrumentos privilegiados dessa acção voluntária tendente a promover o desenvolvimento. Trata-se, porém, de um instrumento exigente e difícil. A esse respeito se diz, ainda no referido relatório da O.C.D.E.: «[…] os processos de planificação cada vez se revelam mais complexos e difíceis de manejar. O esforço de previsão não pode satisfazer-se com projecções ou com extrapolações, deve apoiar-se numa visão clara das interdependências sociais. […] O desenvolvimento já não pode exprimir-se unicamente em termos de investimentos e de produção, de prioridades a estabelecer entre dados económicos somente. […] Um grande número de projectos que se justificam perfeitamente sob um ponto de vista económico requerem, para alcançarem sucesso, conhecimentos psicológicos, sociológicos, culturais, cuja ausência ou insuficiência comprometem a aplicação das decisões.»
Do mesmo teor são as considerações de Claude Gruson - director-geral do Instituto Nacional de Estatística e dos Estudos Económicos (França) e, nessa qualidade, personagem das mais responsáveis no sistema francês de planificação -, quer num artigo cuja tradução foi publicada em Análise Social, quer noutros textos e intervenções.
Por outro lado, se se considerar, não o objectos do planeamento, mas o próprio planeamento como objecto, pode acentuar-se, como Michel Crozier, que se torna «indispensável conhecer os limites de ordem essencialmente psicossociológica que pesam sobre as decisões e encontrar os processos de integrar tal conhecimento no raciocínio global» (p. 383-385).
Wednesday, May 21, 2008
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