Saturday, May 31, 2008

Actualidades I.111. O «Numerus Clausus»

GOUVEIA MONTEIRO, J.– O exame de aptidão e o «numerus clausus». In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 341-343.

Excerto:

Tudo o que, num Estado, sejam medidas coercitivas, merece, em princípio, a nossa oposição. Particularmente, barrar o acesso a uma educação superior que voluntariamente se procura, é atentatório da liberdade e dignidade pessoais e entrave absurdo à elevação do nível social. Nestas circunstâncias, só razões extremamente ponderosas poderiam legitimar um numerus clausus.

Não é moral invocar a escassez do pessoal docente para justificar a limitação numérica dos cursos. Se o desequilíbrio existe, tem que eliminar-se pela multiplicação dos monitores e não pelo rateio dos alunos. Isto não só porque todo o indivíduo deve ter direito à educação superior, como ainda porque iria limitar o número de médicos que saem das Faculdades, desta maneira comprometendo a cobertura sanitária da Nação.

A única razão aparentemente válida para o numerus clausus seria a pletora médica. Acontece, porém, que esta não existe em Portugal, país onde há falta e não superabundância de médicos. Ainda que houvesse excesso, pergunta-se até que ponto seria legítima a restrição. Estes ajustamentos fazem-se mais ou menos automaticamente, e a ter de haver alguns prejudicados – sempre os há – antes o sejam por sua própria culpa que por imposição oficial.

Além disso, ainda mesmo admitindo que algum dia surgisse a necessidade absoluta de impor limitações às licenciaturas, não se seguia necessariamente que houvesse de processar-se através do numerus clausus. Tem este, é certo, uma vantagem que é o desviar precoce do rejeitado para outra carreira, antes de ter perdido anos que lhe serão praticamente inúteis. Mas tem igualmente um grave inconveniente, qual seja o de uma selecção prematura e mal fundamentada. Não são raros os alunos que, depois de um curso liceal apagado, ou até difícil, vêm a brilhar na Faculdade e na vida profissional. O aparente paradoxo compreende-se bem pela desigual rapidez de maturação dos vários indivíduos e pelo carácter algo unilateral de certos talentos. Por isso, a fazer-se um rateio, haveria que colocá-lo um pouco mais tarde, possivelmente nos anos básicos da Faculdade, elevando o padrão dos respectivos exames. O aluno teria assim desperdiçado um ou dois anos, mas a selecção seria mais segura. Numa ou noutra modalidade, sempre haveria vítimas, mas o numerus clausus traria muito maior risco de condenar inocentes. (p. 343).

(in «Considerações sobre o exame de aptidão e o numerus clausus, Estudos, Junho – Julho de 1967).

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