Não se pode discorrer sobre a Universidade sem considerar os estudantes, a razão básica da sua existência. É neles que as escolas de medicina depositam todas as esperanças de futuro progresso no estudo e protecção da saúde dos povos. Os problemas e métodos educacionais são forjados em seu benefício. Devemos ficar-lhes gratos por terem escolhido uma carreira semeada de escolhos, plena de humanidade, votada a um estudo permanente, com uma responsabilidade sem par e recompensada por um salário irrisório. Há pois que tornar-lhes a tarefa mais branda e escolher a melhor forma de incutir e de apreciar os seus conhecimentos ao longo do curso. O actual regime de exames não satisfaz alunos nem professores. É necessário encontrar solução que conduza a um convívio estreito entre mestres e discípulos, de modo a suprimir em grande parte o acto traumatizante e inquisitorial do exame. Mas, para tanto, há que cuidar de diminuir a relação entre o número de docentes e o de discentes, ao ponto de se caminhar para um tipo de ensino tutorial ou seminarial a pequenos grupos, que tem dado boa frutificação noutras latitudes.
Quando pretendemos aliviar os estudantes do seu árduo trabalho, topamos com o edifício monumental das ciências médicas que não consente tolerâncias e a rigidez ética da profissão médica que no permite desvios. Terão, pois, não só de se conformar com satisfação do labor comprido, mas ainda de sofrer uma selecção rigorosa que permita lançar para o exercício da medicina apenas os mais aptos. A Sociedade não aceita médicos incompetentes: está em jogo a sua saúde. Nesta conformidade, as escolas anglo-saxónicas estabeleceram como norma uma rígida filtração dos seus candidatos, à entrada do curso, escolhendo apenas os que oferecem maiores garantias de êxito e limitando o seu número às possibilidades educativas da instituição. Os latinos, mais brandos, têm aberto as portas a todos os requerentes e admitido nos laboratórios e hospitais uma massa estudantil incomportável para a estrutura pedagógica das escolas. Não creio que esta medida, por demasiado liberal, traga benefícios ao próprio estudante e à escola que frequenta. Diz a experiência e confirmam-no os números, que há anualmente, uma quebra enorme no aproveitamento escolar, e que o pessoal de ensino médico se vê a braços com uma multidão de alunos pouco interessados que vão pejando as salas de aula e gastando inutilmente o tempo e o esforço dos mestres. Os mais aptos são prejudicados pela indiferença ou a incapacidade dos menos dotados. Há certamente um remédio para este mal, de que eu não possuo o segredo, mas tenho informação, através de algumas visitas e de múltiplas publicações, de que se vão efectuando experiências em diversas escolas estrangeiras, tendentes a seleccionar os estudantes de medicina por métodos mais racionais. Oxalá eles possam ser um dia introduzidos entre nós. E, se porventura, apesar de uma selecção a rigor se provar que é desmedido o número de estudantes aptos desejosos de seguir carreira universitária, então não se vê outra solução correcta que não seja o desdobramento da escola e a gestação de novas instituições providas de nova massa professoral. Tal é o caminho que nos apontam os povos mais progressivos. Mais professores, integralmente votados ao ensino e caldeados na investigação, maior número de escolas, mais perfeita selecção dos estudantes, maior estreitamento das relações professor-aluno, eis as regras de ouro a adoptar para a Universidade portuguesa que eu visiono.
(in «A universidade e a educação médica – Oração de Sapiência proferida na sessão de abertura do Ano Académico da Universidade Clássica de Lisboa, em 16 de Novembro de 1966). (p. 347-348).
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Tuesday, May 27, 2008
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