Friday, May 23, 2008

Actualidades I.119. Para Quê Ciências Sociais

FERREIRA DE ALMEIDA, J. C. – Situação e problemas do ensino de Ciências Sociais em Portugal. In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 369-401.

Excertos:

Pode pôr-se o problema: para além da satisfação da curiosidade, da vontade de saber e de cientificamente saber - para quê ciências sociais? A resposta pode ser dada por referência àquilo que constitui o desafio maior do nosso tempo: o desenvolvimento. É verdade que este tema - as ciências sociais e o desenvolvimento - tem sido amplamente tratado numa literatura que vai sendo já internacionalmente abundante. Mas não é menos verdade que, nomeadamente num certo número de países, entre os quais o nosso, existem tão poucas indícios - concretização social - de percepção do problema, que vale a pena repisá-lo.

Como escreve Friedrich Schneider, Presidente do Comité Interino da Conferência Ministerial sobre a Ciência, da O.C.D.E., no prefácio ao relatório sobre «As ciências sociais e a política dos governos»: «numa época marcada pelo desenvolvimento rápido do progressos científico e técnico, particularmente visível na industrialização e nas modificações que daí resultam para a cultura e para as sociedades, as ciências sociais têm um papel vital a desempenhar para que se torne possível a identificação, a compreensão e a interacção dos problemas humanos e sociais levantados pelos rápidos progressos da ciência, da técnica e da mecanização. Por isso têm necessariamente uma contribuição a dar ao desenvolvimento das nossas sociedades e da civilização […]». Em termos de acção, o conhecimento científico é uma mediação - e não a única; mas uma mediação cada vez menos dispensável. E quando a acção visa explícita e directamente a sociedade, o conhecimento do social é verdadeiramente imprescindível, sob pena de se multiplicarem as actuações ineficazes, quando não até o agravamento das situações a corrigir.

A ilustração das considerações precedentes pode ser feita nos mais variados campos. Entre os mais importantes encontra-se o do planeamento. O desenvolvimento não é apenas uma situação, mas também uma acção voluntária e uma reivindicação - como tem vindo a ser lembrado com insistência por, entre outros, Alain Touraine. Ora, a planificação é (ou pode ser) justamente um dos instrumentos privilegiados dessa acção voluntária tendente a promover o desenvolvimento. Trata-se, porém, de um instrumento exigente e difícil. A esse respeito se diz, ainda no referido relatório da O.C.D.E.: «[…] os processos de planificação cada vez se revelam mais complexos e difíceis de manejar. O esforço de previsão não pode satisfazer-se com projecções ou com extrapolações, deve apoiar-se numa visão clara das interdependências sociais. […] O desenvolvimento já não pode exprimir-se unicamente em termos de investimentos e de produção, de prioridades a estabelecer entre dados económicos somente. […] Um grande número de projectos que se justificam perfeitamente sob um ponto de vista económico requerem, para alcançarem sucesso, conhecimentos psicológicos, sociológicos, culturais, cuja ausência ou insuficiência comprometem a aplicação das decisões.»

Do mesmo teor são as considerações de Claude Gruson - director-geral do Instituto Nacional de Estatística e dos Estudos Económicos (França) e, nessa qualidade, personagem das mais responsáveis no sistema francês de planificação -, quer num artigo cuja tradução foi publicada em Análise Social, quer noutros textos e intervenções.

Por outro lado, se se considerar, não o objectos do planeamento, mas o próprio planeamento como objecto, pode acentuar-se, como Michel Crozier, que se torna «indispensável conhecer os limites de ordem essencialmente psicossociológica que pesam sobre as decisões e encontrar os processos de integrar tal conhecimento no raciocínio global» (p. 383-385).

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