Por outro lado, segundo a época, o lugar, as condições de vida e cultura, o modelo varia, e é sempre atrasado em relação ao momento presente. A imagem do médico, o arquétipo, é naturalmente uma realidade criada pela tradição do grupo social. Ainda mesmo nas sociedades desenvolvidas persiste a figura idealizada do «médico de cabeceira» e da medicina-sacerdócio. Aqui surge outro estorvo: é que as faculdades têm de preparar o médico do futuro e não reproduzir o do passado. É mais que certo que daqui a vinte anos o médico será muito diferente do de hoje. Por consequência as Faculdades têm de saber antecipadamente qual é a evolução social e médica, para poderem com tempo adaptar o curso às necessidades futuras e não às passadas.
Antigamente, como o progresso era lento, a previsão era fácil a curto e a longo prazo. Mas as coisas mudaram de figura: prever não só é muito mais difícil como se tornou também imprescindível. É claro que a visão antecipada do rumo que vai seguir a medicina, de tal maneira que se possa por aí orientar o ensino, não está ao nosso alcance, mas já é muito ter a noção que é preciso fazer previsões, não deixando as coisas ao acaso da oferta é da procura.
Baseando-nos em observações e conjecturas próprias e alheias, talvez se possa esboçar a fisionomia da medicina das décadas que se aproximam. As diferenças tornam-se mais evidentes comparando-a com a medicina tradicional. Como vimos esta é uma medicina individualista, cujo paradigma consiste no colóquio entre o doente e o médico, sem interferência de ninguém. Em segundo lugar, é uma medicina curativa, que se dirige a remediar males ou enfermidades, já declaradas. Em terceiro lugar, os serviços médicos para os doentes sem recursos, que são a maioria, têm carácter assistencial, isto é, o Estado e as organizações benévolas, acodem às carências principais discricionariamente.
Este tipo de serviço clínico atingiu o apogeu na época do capitalismo liberal, do qual, aliás, é o reflexo no campo da medicina. Hoje está em decadência, ainda que a defesa encarniçada que dele se faz possa levar a crer no seu vigor. São combates de retaguarda, travados por todas as formações sociais quando se avizinham do crepúsculo, como é sabido.
As transformações que experimenta presentemente a medicina e as que estão à vista, consistem no seguinte: se bem que o acto médico continue a ser a relação entre o doente e o médico, as suas condições de realização modificaram-se pela interferência de factores externos que lhe garantem a eficácia, médica e social. A sociedade que na medicina tradicional se alheava, ou quase, da distribuição dos serviços médicos, passa a tomá-los a seu cargo, afiançando assim o direito positivo à assistência médica a todos quantos necessitam dela. Em vez de acção individual, a medicina torna-se num serviço social.
Esta será a característica preponderante da medicina do futuro. Outras são as seguintes: predomínio das actividades preventivas e reabilitadoras sobre as curativas; medicina de equipa, de grupo, concentrada em grandes ou pequenas unidades (hospitais gerais e especializados, centros de saúde, dispensários), integrados num Serviço de Saúde. À dispersão e à multiplicação anárquica de instituições e estabelecimentos médicos, que tem sido uma causa de ineficiência, sucede uma organização coerente, homogénea, capaz de reunir os meios e de os ordenar de modo que qualquer indivíduo, no momento necessário, tenha os serviços médicos de que precisa.
Este vasto programa foi esboçado pela Ordem dos Médicos no «Relatório das Carreiras Médicas» (1961). (p. 336-337).
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