COLÓQUIOS DA UNIVERSIDADE TÉCNICA – Problemas do pessoal docente universitário. In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 254-267.
Excertos:
O primeiro grupo de problemas debatido foi o das condições de trabalho na Universidade dentro do regime actual para o pessoal docente, independentemente de qualquer reforma no sentido de possibilitar o «tempo integral».
Reconheceu-se que existe uma profunda divergência entre o complexo de funções propostas à Universidade (ensino, investigação, cultura) e o conjunto de meios materiais e de organização que lhe são facultados, os quais apenas permitem se exerça a função docente. E mesmo quanto a esta, deparam-se graves dificuldades de vária ordem, adiante referidas.
Pelo menos em algumas das Escolas, a distribuição de tarefas e responsabilidades pelas várias categorias de pessoal docente não corresponde ao esquema que idealizou o legislador, sendo corrente a entrega da regência de cadeiras muito importantes a assistentes, mesmo não doutorados, assim como a chefia de grupos de colegas que prestam o serviço das aulas práticas. São manifestos os inconvenientes deste estado de coisas para a preparação de doutoramentos e concursos, assim como não chegam a encontrar, esses assistentes, a ajuda científica e pedagógica de professores experientes, precisamente nos anos cruciais da sua formação.
A razão principal que se tem apontado para estarem as coisas assim é o acesso, em massa, de alunos ao ensino superior de algumas profissões. Esta mesma razão agrava de outro modo as condições gerais do exercício da docência, sendo extensas as turmas teóricas e práticas, o número de alunos a cargo de cada professor e assistente, a massa de pontos escritos e provas de exame a corrigir, e as horas passadas em júris de provas finais, a preparar exercícios, a escrever ou a rever textos.
Soluções para estes problemas têm de assentar num planeamento cuidadoso, a realizar com tempo em cada Escola, acerca da destribuição do serviço docente, parecendo muito importante passar a dar maior atenção à sequência da carreira dos jovens assistentes, não sacrificando a sua preparação em profundidade a soluções de recurso que se repetem mais gravemente de ano para ano. (p. 261-262).
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Monday, June 30, 2008
Sunday, June 29, 2008
Actualidades I.82. Meios de Trabalho e Enquadramento
O aspecto dos meios de trabalho e de enquadramento foi julgado essencial, afirmando-se que de nada valerá abrir um novo regime legal aos membros do corpo docente, e até oferecer-lhes remunerações atractivas, se não foram facultados esses meios de trabalho, isto é, instalações, equipamentos, bibliotecas, mas também direcção, cooperação e oportunidades de investigação.
[…] Mais se aceitou que, com raras excepções, a investigação será entregue a grupos de trabalho, convindo que alguns dos seus componentes sejam investigadores sem funções docentes. Finalmente, referiu-se a necessidade de captar para esses novos centros de investigação tarefas que despertem real interesse e representem imediato proveito para o País - o que aconselha a aceitarem-se «encomendas» de estudos e projectos tanto para o sector público como para entidades privadas, evidentemente, sem prejuízo de programas desinteressados de pesquisa decididos pelos próprios centros. (p. 264).
[…] Mais se aceitou que, com raras excepções, a investigação será entregue a grupos de trabalho, convindo que alguns dos seus componentes sejam investigadores sem funções docentes. Finalmente, referiu-se a necessidade de captar para esses novos centros de investigação tarefas que despertem real interesse e representem imediato proveito para o País - o que aconselha a aceitarem-se «encomendas» de estudos e projectos tanto para o sector público como para entidades privadas, evidentemente, sem prejuízo de programas desinteressados de pesquisa decididos pelos próprios centros. (p. 264).
Saturday, June 28, 2008
Actualidades I.83. Administração Pública e Administração de Empresas
LEITE PINTO, Francisco de Paula – O papel da Universidade na formação dos dirigentes. In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 271-310.
Excertos:
I. a) O cisma cultural apontado, entre os intelectuais de letras e os intelectuais de ciências, parece mais marcado entre os intelectuais que dirigem a Administração pública e aqueles que dirigem as Empresas privadas.
É preciso que a Universidade forme os seus graduados olhando não apenas à função pública mas também à empresa.
Deve a Universidade ser reformada em termos de aplicação ou em termos teorizantes?
I. b) […] Será a identidade de pontos de vista dada por uma identidade de educação? Bastará que o ensino venha a ser modificado de maneira a ampliar-se nele a informação sobre o sector privado?
Hoje toda gente sabe que o sector privado, que tanto pesa na economia nacional, é um conglomerado de empresas tendo todas por fim mediato - quer produzam bens de consumo, quer bens de capital, quer serviços - a criação ou aumento de capitais monetários.
Acontece até que um vultuoso número de dirigentes de empresas passaram pela função pública depois da saída da Universidade. A função pública representa algumas vezes estágio post-escolar de grande valia.
O intelectual que dirige uma repartição pública pensa sem ter necessidade de estruturar acção. O intelectual que administra Empresa condiciona o seu pensamento a um fim económico a atingir rapidamente. A sua acção pode vir a ser pragmática.
Podemos ainda acrescentar que percentagem apreciável dos dirigentes que trocaram a administração pública pela administração de empresas é constituída por licenciados em Direito. Continua se, em geral, a considerar a formatura em Direito como importante em qualquer instituição administrativa pelo facto de esta se poder integrar numa «ordem jurídica». Estará certo?
Voltemos ao ponto concreto posto pelo meu interlocutor.
A mim parece-me, e aqui estou de acordo com ele, que o fundamental é que o empresário dinâmico e o fiscalizador muito menos dinâmico acertem o passo. É inegável que tem de ser o burocrata aquele que deve acelerar…
A acção está sempre no fim de um acto administrativo, melhor direi de um acto de gestão. (p. 294 e 296-297).
Excertos:
I. a) O cisma cultural apontado, entre os intelectuais de letras e os intelectuais de ciências, parece mais marcado entre os intelectuais que dirigem a Administração pública e aqueles que dirigem as Empresas privadas.
É preciso que a Universidade forme os seus graduados olhando não apenas à função pública mas também à empresa.
Deve a Universidade ser reformada em termos de aplicação ou em termos teorizantes?
I. b) […] Será a identidade de pontos de vista dada por uma identidade de educação? Bastará que o ensino venha a ser modificado de maneira a ampliar-se nele a informação sobre o sector privado?
Hoje toda gente sabe que o sector privado, que tanto pesa na economia nacional, é um conglomerado de empresas tendo todas por fim mediato - quer produzam bens de consumo, quer bens de capital, quer serviços - a criação ou aumento de capitais monetários.
Acontece até que um vultuoso número de dirigentes de empresas passaram pela função pública depois da saída da Universidade. A função pública representa algumas vezes estágio post-escolar de grande valia.
O intelectual que dirige uma repartição pública pensa sem ter necessidade de estruturar acção. O intelectual que administra Empresa condiciona o seu pensamento a um fim económico a atingir rapidamente. A sua acção pode vir a ser pragmática.
Podemos ainda acrescentar que percentagem apreciável dos dirigentes que trocaram a administração pública pela administração de empresas é constituída por licenciados em Direito. Continua se, em geral, a considerar a formatura em Direito como importante em qualquer instituição administrativa pelo facto de esta se poder integrar numa «ordem jurídica». Estará certo?
Voltemos ao ponto concreto posto pelo meu interlocutor.
A mim parece-me, e aqui estou de acordo com ele, que o fundamental é que o empresário dinâmico e o fiscalizador muito menos dinâmico acertem o passo. É inegável que tem de ser o burocrata aquele que deve acelerar…
A acção está sempre no fim de um acto administrativo, melhor direi de um acto de gestão. (p. 294 e 296-297).
Friday, June 27, 2008
Actualidades I.84. O Papel da Universidade
E agora um outro apontamento, este relativo ao papel da Universidade na nossa Sociedade dinâmica e polifacetada.
A Universidade de hoje está longe de poder servir a sociedade de hoje.
Numa época de ensino de massas quebrou-se a possibilidade de diálogo entre o mestre e o discípulo. É este, a meu ver, um ponto fraco do nosso ensino superior. Mas não apenas do nosso.
Entre as centenas de alunos a que um único mestre prelecciona, muito poucos seguem o ensino e se esclarecem com o mestre. Muito poucos lêem e meditam.
As técnicas audiovisuais não substituem a presença do mestre, ou seja, o contacto com o mestre. São magníficos auxiliares de um diálogo, mas ensinar é dialogar e esclarecer.
Diz o meu ilustre interlocutor que o papel fundamental da Universidade é o da produção de dirigentes. É evidente que ele quer significar que se trata de um «bom fabrico», da criação de dirigentes formados.
Não tenho dúvidas sobre esse importante papel da Universidade, mas não sei se ele é o fundamental. A formação de todos os jovens - futuros dirigentes ou não – parece-me mais importante: exercitar os jovens de maneira que eles, pela vida fora, se possam actualizar por si. A maior parte do que cada um de nós sabe hoje não foi adquirido nas Escolas. Nas escolas adquirimos um método de aprender. A informação não é fundamental. Adquirimos hábitos de trabalho contínuo, adquirimos a necessidade de continuar a ler, a pensar, a meditar. A Universidade tem assim fins diversos: transmitir conhecimentos e transmiti-los de maneira que eles não sirvam apenas como informações que o tempo irá desbastar ou destruir; investigar novos conhecimentos e isto quer dizer, fundamentalmente, adquirir os hábitos da pesquisa.
A Universidade não pode ter a presunção de prosseguir por todas as sendas possíveis da pesquisa de factos novos. (p. 297-298).
A Universidade de hoje está longe de poder servir a sociedade de hoje.
Numa época de ensino de massas quebrou-se a possibilidade de diálogo entre o mestre e o discípulo. É este, a meu ver, um ponto fraco do nosso ensino superior. Mas não apenas do nosso.
Entre as centenas de alunos a que um único mestre prelecciona, muito poucos seguem o ensino e se esclarecem com o mestre. Muito poucos lêem e meditam.
As técnicas audiovisuais não substituem a presença do mestre, ou seja, o contacto com o mestre. São magníficos auxiliares de um diálogo, mas ensinar é dialogar e esclarecer.
Diz o meu ilustre interlocutor que o papel fundamental da Universidade é o da produção de dirigentes. É evidente que ele quer significar que se trata de um «bom fabrico», da criação de dirigentes formados.
Não tenho dúvidas sobre esse importante papel da Universidade, mas não sei se ele é o fundamental. A formação de todos os jovens - futuros dirigentes ou não – parece-me mais importante: exercitar os jovens de maneira que eles, pela vida fora, se possam actualizar por si. A maior parte do que cada um de nós sabe hoje não foi adquirido nas Escolas. Nas escolas adquirimos um método de aprender. A informação não é fundamental. Adquirimos hábitos de trabalho contínuo, adquirimos a necessidade de continuar a ler, a pensar, a meditar. A Universidade tem assim fins diversos: transmitir conhecimentos e transmiti-los de maneira que eles não sirvam apenas como informações que o tempo irá desbastar ou destruir; investigar novos conhecimentos e isto quer dizer, fundamentalmente, adquirir os hábitos da pesquisa.
A Universidade não pode ter a presunção de prosseguir por todas as sendas possíveis da pesquisa de factos novos. (p. 297-298).
Thursday, June 26, 2008
Actualidades I.85. Indústria e Universidade
Nos países mais avançados (e os índices do maior ou menor avanço são em grande parte de carácter económico) a empresa privada tem a sua investigação, tem os seus laboratórios ou passa contratos de investigação aos laboratórios universitários. Como é compreensível, a investigação fomentada nas empresas privadas é quase toda dirigida ao campo da produção empresarial. É, digamos, uma investigação orientada no sentido da aplicação, no sentido da obtenção de novos materiais, de novos artigos, de novos produtos vendáveis. A preocupação do lucro está na raiz dessa investigação aplicada, mas o empresário sabe que os lucros são tardios e que parte da pesquisa conduz a becos sem saída. A actividade privada é, assim, nos países mais adiantados, fomentadora de verdadeiras escolas de investigação científica e tecnológica.
Também aqui seria necessária uma maior aproximação entre a Indústria e a Universidade. Ora, sem desejar criticar a actividade privada, verifica-se, pelo menos no nosso país, que as empresas quando se dirigem à Universidade é quase sempre em busca de empregados em tempo parcial.
As queixas recíprocas que podem apresentar as duas funções que o meu interlocutor dividiu em dicotomia, são numerosíssimas, mas muito poucas persistiriam se houvesse reuniões periódicas entre dirigentes dos dois sectores.
Queixam-se os dirigentes das actividades produtivas de que, raramente, encontram as portas abertas quando buscam o diálogo esclarecedor com os dirigentes superiores da Administração. Ao seu dinamismo responde a Administração com sucessivos adiamentos de reuniões.
Compreende-se, perfeitamente, que sendo inúmeras as empresas privadas que procuram esses diálogos esclarecedores e poucos os funcionários que devam esclarecer, o tempo destes seja curto para o muito que têm de fazer. Haverá, pois, que condensar essas reuniões ao nível dos organismos coordenadores e a Corporação, entidade de cúpula, pode programar esses diálogos. (p. 298).
Também aqui seria necessária uma maior aproximação entre a Indústria e a Universidade. Ora, sem desejar criticar a actividade privada, verifica-se, pelo menos no nosso país, que as empresas quando se dirigem à Universidade é quase sempre em busca de empregados em tempo parcial.
As queixas recíprocas que podem apresentar as duas funções que o meu interlocutor dividiu em dicotomia, são numerosíssimas, mas muito poucas persistiriam se houvesse reuniões periódicas entre dirigentes dos dois sectores.
Queixam-se os dirigentes das actividades produtivas de que, raramente, encontram as portas abertas quando buscam o diálogo esclarecedor com os dirigentes superiores da Administração. Ao seu dinamismo responde a Administração com sucessivos adiamentos de reuniões.
Compreende-se, perfeitamente, que sendo inúmeras as empresas privadas que procuram esses diálogos esclarecedores e poucos os funcionários que devam esclarecer, o tempo destes seja curto para o muito que têm de fazer. Haverá, pois, que condensar essas reuniões ao nível dos organismos coordenadores e a Corporação, entidade de cúpula, pode programar esses diálogos. (p. 298).
Wednesday, June 25, 2008
Actualidades I.86. Tronco Comum
A Universidade de hoje está praticamente perante dois factos imprevisíveis há trinta anos: o primeiro é o do aumento gigantesco dos «saberes liberais», o dos milhentos «saberes utilitários» decorrentes das aplicações desses «saberes liberais»; o segundo é o da pressão de uma massa estudantil mais busca de diplomas do que com desejos e possibilidades de formação.
Técnicas e ciências humanas desabrocharam de forma tão imprevista que qualquer extrapolação audaciosa será em breve ultrapassada pela realidade.
Por outro lado há Universidades velhas que têm hoje cinco ou seis vezes mais alunos que há vinte anos atrás e isso apesar, de neste mesmo período, se terem criado no mundo cerca de 150 Universidades novas.
Estarão todos os admitidos ao ensino superior preparados para o absorverem? Poder-se-ão fixar normas para seleccionar à entrada das Universidades?
Como todo o ensino é uma pirâmide com andares entalhados e imbricados, os problemas do ensino superior não são independentes dos problemas dos ensinos de base.
A coloração das empresas nestes ensinos nem sempre tem sido espontânea.
Eu continuo fiel à ideia de um tronco comum, prolongado o mais possível no tempo, de maneira que não seja apenas a instrução primária que dê a base de entendimento necessário a quem fala a mesma língua maternal.
Seleccionar as disciplinas que, para lá do «saber ler, escrever e contar», hão-de vir a disciplinar os hábitos de trabalho e as reacções sociais é, no fundo, ter coragem para rejeitar a entrada de muitas matérias no «curriculum» do tal tronco comum prolongado.
É preciso que as disciplinas escolhidas venham a espicaçar a imaginação dos jovens. (p. 299).
Técnicas e ciências humanas desabrocharam de forma tão imprevista que qualquer extrapolação audaciosa será em breve ultrapassada pela realidade.
Por outro lado há Universidades velhas que têm hoje cinco ou seis vezes mais alunos que há vinte anos atrás e isso apesar, de neste mesmo período, se terem criado no mundo cerca de 150 Universidades novas.
Estarão todos os admitidos ao ensino superior preparados para o absorverem? Poder-se-ão fixar normas para seleccionar à entrada das Universidades?
Como todo o ensino é uma pirâmide com andares entalhados e imbricados, os problemas do ensino superior não são independentes dos problemas dos ensinos de base.
A coloração das empresas nestes ensinos nem sempre tem sido espontânea.
Eu continuo fiel à ideia de um tronco comum, prolongado o mais possível no tempo, de maneira que não seja apenas a instrução primária que dê a base de entendimento necessário a quem fala a mesma língua maternal.
Seleccionar as disciplinas que, para lá do «saber ler, escrever e contar», hão-de vir a disciplinar os hábitos de trabalho e as reacções sociais é, no fundo, ter coragem para rejeitar a entrada de muitas matérias no «curriculum» do tal tronco comum prolongado.
É preciso que as disciplinas escolhidas venham a espicaçar a imaginação dos jovens. (p. 299).
Tuesday, June 24, 2008
Actualidades I.87. A Regra do Desinteresse
Não encontrei por parte da generalidade das grandes empresas grande alvoroço em colaborar com a Universidade em matéria de investigação científica. O facto de haver algumas grandes empresas que fomentam a pesquisa é excepção que confirma a regra; Não encontrei, em geral, da parte da empresa média e da pequena empresa nenhum entusiasmo em promover ou aumentar o nível cultural dos seus empregados ou filhos dos seus empregados. Encontrei muito poucas colaborações com o Estado nesse sentido e elas confirmam, infelizmente, a regra do desinteresse.
Eu nunca acreditei que a instrução generalizada fosse uma panaceia, mas creio firmemente que sem ela e sem saúde nenhum país pode progredir. (p. 302).
Eu nunca acreditei que a instrução generalizada fosse uma panaceia, mas creio firmemente que sem ela e sem saúde nenhum país pode progredir. (p. 302).
Monday, June 23, 2008
Actualidades I.88. Projecto Regional do Mediterrâneo
Compreende-se assim que um Ministro da Educação Nacional tivesse julgado necessário, antes de tudo, realizar um «estudo quantitativo da estrutura escolar portuguesa» e, a seguir a este, um outro sobre «as necessidades prováveis da educação até 1975», contando-se com o alargamento da instrução obrigatória e a pressão dela decorrente sobre os outros graus de ensino.
O empreendimento foi entre nós considerado inútil e apenas o I. N. I. I. compreendeu o seu âmbito e lhe concedeu um subsídio. Posto o problema à O. C. D. E., esta Organização não apenas o aprovou em vista a subsidiá-lo, como até o alargou a outros países - Espanha, Itália, Grécia, Jugoslávia e Turquia. Crismado com o nome de «Projecto Regional do Mediterrâneo» (em francês e em inglês, o que lhe deu importância…) é hoje trabalho largamente citado em Portugal e no estrangeiro.
Mas, apesar de muito citado, o tal «Projecto Regional do Mediterrâneo» tem tido pouco manuseamento inútil. Pois tem lá valiosas informações… (p. 309-310).
O empreendimento foi entre nós considerado inútil e apenas o I. N. I. I. compreendeu o seu âmbito e lhe concedeu um subsídio. Posto o problema à O. C. D. E., esta Organização não apenas o aprovou em vista a subsidiá-lo, como até o alargou a outros países - Espanha, Itália, Grécia, Jugoslávia e Turquia. Crismado com o nome de «Projecto Regional do Mediterrâneo» (em francês e em inglês, o que lhe deu importância…) é hoje trabalho largamente citado em Portugal e no estrangeiro.
Mas, apesar de muito citado, o tal «Projecto Regional do Mediterrâneo» tem tido pouco manuseamento inútil. Pois tem lá valiosas informações… (p. 309-310).
Sunday, June 22, 2008
Actualidades I.89. O Estado da Universidade
MILLER GUERRA, João Pedro – Tradição e modernidade nas Faculdades de Medicina. In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 311-339.
Excertos:
Está claro que as Faculdades de Medicina são apenas uma parte da Universidade, como esta, por seu turno, é apenas um aspecto ou uma faceta, da sociedade global. Os três elementos dependem uns dos outros, se bem que possa haver diferenças ou até discordância, no ritmo evolutivo e nas suas formas concretas, podendo chegar ao ponto de se constituírem assincronias pronunciadas. Isto quer dizer que as Faculdades estão para a Universidade, como esta para a meio sócio-político de onde dimana e em que mergulha. No há, nem pode haver, duradoiramente, Faculdades renovadas dentro de um sistema universitário tradicional e, muito menos, uma Universidade actualizada e vivaz numa sociedade conservadora, amortecida. O estado inverso concebe-se facilmente - uma Universidade imóvel, ou quase, num meio social em desenvolvimento. São exemplos disso as Universidades dos países democráticos latinos, particularmente a Itália e a França. Isto demonstra a resistência enorme que certas instituições tradicionais e tradicionalistas são capazes de opor aos incitamentos exteriores.
Não se deve, porém, levar muito adiante o exemplo, porque, bem analisado, pode conduzir-nos à conclusão de que nesses países as estruturas sócio-económicas são mais conservadoras do que parecem vistas de longe. O estado da Universidade, portanto, harmoniza-se com as realidades profundas que dominam a vida social. (p. 312).
Excertos:
Está claro que as Faculdades de Medicina são apenas uma parte da Universidade, como esta, por seu turno, é apenas um aspecto ou uma faceta, da sociedade global. Os três elementos dependem uns dos outros, se bem que possa haver diferenças ou até discordância, no ritmo evolutivo e nas suas formas concretas, podendo chegar ao ponto de se constituírem assincronias pronunciadas. Isto quer dizer que as Faculdades estão para a Universidade, como esta para a meio sócio-político de onde dimana e em que mergulha. No há, nem pode haver, duradoiramente, Faculdades renovadas dentro de um sistema universitário tradicional e, muito menos, uma Universidade actualizada e vivaz numa sociedade conservadora, amortecida. O estado inverso concebe-se facilmente - uma Universidade imóvel, ou quase, num meio social em desenvolvimento. São exemplos disso as Universidades dos países democráticos latinos, particularmente a Itália e a França. Isto demonstra a resistência enorme que certas instituições tradicionais e tradicionalistas são capazes de opor aos incitamentos exteriores.
Não se deve, porém, levar muito adiante o exemplo, porque, bem analisado, pode conduzir-nos à conclusão de que nesses países as estruturas sócio-económicas são mais conservadoras do que parecem vistas de longe. O estado da Universidade, portanto, harmoniza-se com as realidades profundas que dominam a vida social. (p. 312).
Saturday, June 21, 2008
Actualidades I.90. Remediar Males Novos Com Processos Velhos
Com as demais Faculdades, a de Medicina sofreu nos últimos anos uma dupla pressão, a que tem resistido até agora sem alterar a sua estrutura e finalidades tradicionais. O aumento do número de alunos, por um lado, o aumento dos conhecimentos, por outro, são as causas principais que impelem as Faculdades a modificarem o seu «status quo», sob pena de se divorciarem das funções que lhes incumbem.
Estas causas, por sua vez, são consequência de outras subjacentes que impulsionam as sociedades contemporâneas e que vêm a ser a tecnologia científica e a explicitação das necessidades humanas, subjectivas e objectivas. No que toca à Medicina, estes factores projectam se no exercício da profissão, no ensino e na pesquisa, isto é, atingem directamente as Faculdades, submetendo-as às novas exigências e condições. Pode pensar-se, e assim infelizmente faz muita gente, que se trata menos de uma «mutação» que de uma «evolução», isto é, de uma mera acentuação numérica de alunos, de disciplinas e de necessidades médico-sociais, que de forma nenhuma prejudica as estruturas vigentes. Este modo de ver pouca importância teria, se se limitasse a satisfazer um certo espírito conservador, retardatário, que fecha os olhos às realidades novas, refugiando-se no passado. Mas a verdade é que quem assim pensa, procede, na prática, irrealisticamente, querendo remediar males que são novos, com processos velhos. Desta maneira, para acudir ao excesso de alunos envereda pelas soluções superficiais que apenas ampliam as dificuldades e impedem as reformas de fundo. Por exemplo: como os anfiteatros não têm capacidade, constroem-se mais salas de aula; como há poucos docentes, nomeiam-se mais; como os estudantes se acumulam perdendo cadeiras e anos, modifica-se o regime das precedências e o regime de exames; como o rendimento escolar é diminuto, alteram-se os programas e horários, suprime-se a tese de licenciatura, abrevia-se duração do curso. Quem não vê o carácter improvisado de medidas deste teor? (p. 313-314).
Estas causas, por sua vez, são consequência de outras subjacentes que impulsionam as sociedades contemporâneas e que vêm a ser a tecnologia científica e a explicitação das necessidades humanas, subjectivas e objectivas. No que toca à Medicina, estes factores projectam se no exercício da profissão, no ensino e na pesquisa, isto é, atingem directamente as Faculdades, submetendo-as às novas exigências e condições. Pode pensar-se, e assim infelizmente faz muita gente, que se trata menos de uma «mutação» que de uma «evolução», isto é, de uma mera acentuação numérica de alunos, de disciplinas e de necessidades médico-sociais, que de forma nenhuma prejudica as estruturas vigentes. Este modo de ver pouca importância teria, se se limitasse a satisfazer um certo espírito conservador, retardatário, que fecha os olhos às realidades novas, refugiando-se no passado. Mas a verdade é que quem assim pensa, procede, na prática, irrealisticamente, querendo remediar males que são novos, com processos velhos. Desta maneira, para acudir ao excesso de alunos envereda pelas soluções superficiais que apenas ampliam as dificuldades e impedem as reformas de fundo. Por exemplo: como os anfiteatros não têm capacidade, constroem-se mais salas de aula; como há poucos docentes, nomeiam-se mais; como os estudantes se acumulam perdendo cadeiras e anos, modifica-se o regime das precedências e o regime de exames; como o rendimento escolar é diminuto, alteram-se os programas e horários, suprime-se a tese de licenciatura, abrevia-se duração do curso. Quem não vê o carácter improvisado de medidas deste teor? (p. 313-314).
Friday, June 20, 2008
Actualidades I.91. As Universidades Não Se Auto-Reformam
Por mal dos nossos pecados, o legislador liberal foi influenciado pelas reformas imperiais francesas, em vez de ser pelas germânicas que por essa mesma época começavam a tomar consistência, inspiradas por Humbolt. A século e meio de distância é talvez fácil condenar as ideias que levaram à fundação da Universidade imperial, porque sabemos hoje que os caminhos da modernidade foram os que a Alemanha abriu então, concebendo uma Universidade baseada em dois pilares: a autonomia e a investigação. Muitos outros eram os fundamentos da Universidade de França, bem contrários ao progresso científico, tecnológico e pedagógico, como se está vento. Constituiu-se um corpo de doutrina que vertida numa instituição logicamente arquitectada e autoritariamente construída, perdurou até agora não só nos países de origem mas, o que é pior, transplantada para todo o orbe latino e latino-americano.
Centralização, autoritarismo, burocracia, imobilidade, dogmatismo, são características proeminentes da instituição napoleónica. Os predicados das Universidades modernas, estilo anglo-saxónico, são muito diferentes: flexibilidade, pragmatismo, espírito de empresa e competição, pluralismo, trabalho de grupo. Umas encerram-se depressa no isolamento, favorecendo a conservação das tradições. As outras, pelo contrário, abrem-se para a vida e meio ambiente, favorecendo a mobilidade e as inovações. Umas propendem para o retardamento, outras para o avanço.
As Universidades do primeiro tipo baseiam-se nas Faculdades e, estas, nas cátedras. Tantas vezes se têm apontado os defeitos do «regime catedrático» que é quase supérfluo insistir neles, embora não se possam passar por alto, pois é certo que «le professeur de droit divin» é um dos maiores obstáculos às inovações, mesmo quando se declara partidário delas. É que a vontade dos indivíduos exerce apenas insignificante influência na instituição a que pertencem, quando esta possui as raízes e o vigor da universitária. O catedrático-reformador está sujeita às «leis imanentes» do sistema escolar de que é o usufrutuário. Reformando, destrói o fundamento da sua posição e privilégios, ou seja, as suas condições de existência. Por isso se afirma com acerto que as formas inovadoras nunca são promovidas pelo grupo a que elas respeitam; por outras palavras: as instituições universitárias não se auto-reformam. Podem, é verdade, pedir ou consentir alterações parciais, mas o conjunto permanece inalterado.
Mostra a história, e a experiência confirma, a incapacidade de auto-reformação do ensino superior, assim como o facto de todas as reformas de estrutura terem provindo de acções externas, geralmente o Estado quando interpreta os interesses colectivos. (p.314-315).
Centralização, autoritarismo, burocracia, imobilidade, dogmatismo, são características proeminentes da instituição napoleónica. Os predicados das Universidades modernas, estilo anglo-saxónico, são muito diferentes: flexibilidade, pragmatismo, espírito de empresa e competição, pluralismo, trabalho de grupo. Umas encerram-se depressa no isolamento, favorecendo a conservação das tradições. As outras, pelo contrário, abrem-se para a vida e meio ambiente, favorecendo a mobilidade e as inovações. Umas propendem para o retardamento, outras para o avanço.
As Universidades do primeiro tipo baseiam-se nas Faculdades e, estas, nas cátedras. Tantas vezes se têm apontado os defeitos do «regime catedrático» que é quase supérfluo insistir neles, embora não se possam passar por alto, pois é certo que «le professeur de droit divin» é um dos maiores obstáculos às inovações, mesmo quando se declara partidário delas. É que a vontade dos indivíduos exerce apenas insignificante influência na instituição a que pertencem, quando esta possui as raízes e o vigor da universitária. O catedrático-reformador está sujeita às «leis imanentes» do sistema escolar de que é o usufrutuário. Reformando, destrói o fundamento da sua posição e privilégios, ou seja, as suas condições de existência. Por isso se afirma com acerto que as formas inovadoras nunca são promovidas pelo grupo a que elas respeitam; por outras palavras: as instituições universitárias não se auto-reformam. Podem, é verdade, pedir ou consentir alterações parciais, mas o conjunto permanece inalterado.
Mostra a história, e a experiência confirma, a incapacidade de auto-reformação do ensino superior, assim como o facto de todas as reformas de estrutura terem provindo de acções externas, geralmente o Estado quando interpreta os interesses colectivos. (p.314-315).
Thursday, June 19, 2008
Actualidades I.92. A Carreira de Investigação
A investigação científica, ou seja, a demanda de novas verdades e aplicações da ciência (inovação tecnológica), ocupava um lugar modesto e marginal na vida escolar. Mas já não é assim: na medicina dá-se o mesmo fenómeno que se dá em qualquer ramo científico: o progressos depende da inovação, e esta da pesquisa. Um método semiológico, um processo terapêutico, uma medida preventiva, mal se concebem hoje como resultado de um invento individual, da tradição ou do empirismo - as fontes seculares do saber médico. A indústria farmacêutica que vai à testa do progresso, é hoje um vasto laboratório de pesquisa, assim como o é um hospital, um centro de saúde, uma unidade de reabilitação, sem falar das ciências médicas básicas que a sua própria natureza vincula à investigação fundamental orientada.
A investigação, tornando-se uma actividade constitutiva da função universitária docente e discente, alterou profundamente a orgânica, o regime de trabalho e a finalidade da cátedra. É evidente que a pesquisa tem requisitos que obrigam a organizar a unidade ensino que é a cátedra e, por extensão, a Faculdade, de um modo muito diverso. Sem descer a particularidades, como sejam as relações da função docente com a actividade e investigadora, não há dúvida que, além do pessoal que ensina e investiga, é necessário haver quem se dedica exclusivamente à investigação ingressando numa carreira específica, a carreira de investigação, paralela, mas não confundida com a docente. (p. 317).
A investigação, tornando-se uma actividade constitutiva da função universitária docente e discente, alterou profundamente a orgânica, o regime de trabalho e a finalidade da cátedra. É evidente que a pesquisa tem requisitos que obrigam a organizar a unidade ensino que é a cátedra e, por extensão, a Faculdade, de um modo muito diverso. Sem descer a particularidades, como sejam as relações da função docente com a actividade e investigadora, não há dúvida que, além do pessoal que ensina e investiga, é necessário haver quem se dedica exclusivamente à investigação ingressando numa carreira específica, a carreira de investigação, paralela, mas não confundida com a docente. (p. 317).
Wednesday, June 18, 2008
Actualidades I.93. Menor Quantidade e Melhor Qualidade
O outro factor de que devemos falar é das consequências da investigação. Como os conhecimentos se renovam mercê de aperfeiçoamentos e descobertas incessantes, o saber envelhece em pouco tempo. O facto tem dois efeitos imediatos: um, a necessidade de ministrar o aluno menor volume e melhor qualidade de conhecimentos, desenvolver-lhe o espírito científico, as inclinações para a descoberta e para a criação, o saber de base, alargando-lhe os horizontes da cultura biológica, social e humanista, porque mais vale isso do que persistir em mobilar-lhe a mente de erudição arquivística, que é ao que conduzem grande parte dos cursos e matérias actuais. Ficar com o espírito ágil, pronto para aprender pela vida fora, desperto e vivo para a novidade e para o progresso, capaz de adquirir novos conhecimentos e aplicá-los, e de os abandonar logo que se tornam caducos, eis alguns dos predicados que devem ornar a mente de um aluno moderno. (p. 318).
Tuesday, June 17, 2008
Actualidades I.94. Os Cursos de Pós-Graduação
O segundo efeito do avanço rápido do saber diz respeito às formas de ensino que prolongam e completam os programas escolares. Referimo-nos, como é óbvio, aos cursos de pós-graduação, ou, de uma maneira mais genérica, à educação permanente que foi excelentemente tratada pelo eng.º Manuel Rocha. De há uns anos para cá, tornou-se manifesta a insuficiência do curso ministrado pelas Faculdades para o exercício profissional.
O que é novo é o reconhecimento da impreparação académica para a clínica geral, pois desde tempos recuados que o tirocínio das especialidades se fazia depois da «formatura». A própria designação «formatura», denota expressivamente um conceito antiquado, como se a conclusão dos estudos universitários regulares fosse o ponto final do aprendizado. Hoje tem-se uma ideia completamente diferente da função do curso - o licenciado possui apenas os conhecimentos indispensáveis para prosseguir no estudo da medicina, e nada mais. O curso é como que um período preparatório, de aquisição das bases da prática médica. A situação em que ficam as Faculdades no meio deste movimento renovador não é lisonjeira, pois cada vez se distanciam mais da sua finalidade originária: educar os futuros médicos. Se o estado actual se mantém, a breve trecho decairão para o lugar de escolas preparatórias ou propedêuticas e, quem sabe, se de qualidade medíocre. A pós-graduação está-se tornando mais importante que a licenciatura nos países principais. Se a Universidade se desinteressa desta nova forma de educação, o seu futuro é sombrio. (p. 318).
O que é novo é o reconhecimento da impreparação académica para a clínica geral, pois desde tempos recuados que o tirocínio das especialidades se fazia depois da «formatura». A própria designação «formatura», denota expressivamente um conceito antiquado, como se a conclusão dos estudos universitários regulares fosse o ponto final do aprendizado. Hoje tem-se uma ideia completamente diferente da função do curso - o licenciado possui apenas os conhecimentos indispensáveis para prosseguir no estudo da medicina, e nada mais. O curso é como que um período preparatório, de aquisição das bases da prática médica. A situação em que ficam as Faculdades no meio deste movimento renovador não é lisonjeira, pois cada vez se distanciam mais da sua finalidade originária: educar os futuros médicos. Se o estado actual se mantém, a breve trecho decairão para o lugar de escolas preparatórias ou propedêuticas e, quem sabe, se de qualidade medíocre. A pós-graduação está-se tornando mais importante que a licenciatura nos países principais. Se a Universidade se desinteressa desta nova forma de educação, o seu futuro é sombrio. (p. 318).
Monday, June 16, 2008
Actualidades I.95. Autonomia
Comecemos pela autonomia, que é um conceito sedutor, mas confuso. Talvez pela imprecisão que contém, a autonomia constitui uma reivindicação pertinaz, mas difícil de satisfazer. Por autonomia entende-se ordinariamente a independência em face do poder central, isto é, a libertação da autoridade governamental sobretudo em matéria pedagógica e administrativas. Caberia às Faculdades o recrutamento dos professores, a programação dos cursos, a admissão dos alunos, a eleição do corpo directivo e, finalmente, a gestão dos seus «negócios internos».
A ideia assenta em duas noções simplistas: que todos os males dimanam da centralização e que as Faculdades são capazes de se autogovernarem. Crê-se que a supressão da tutela do Estado aumenta a liberdade individual dos membros do corpo docente, isto é, a possibilidade de tomarem decisões livremente. Posta a questão nestes termos, é improvável que a almejada autonomia tenha efeitos libertadores, visto que, se desaparecem sujeições, criam-se outras sob a forma de inter-dependências e solidariedades que por força acorrentam as vontades individuais à nova disciplina. A autonomia completa, a ser possível, tem o risco de encerrar as Faculdades em particularismos, afastando-as dos interesses gerais da Nacão. No mundo em que vivemos, tudo corre, os grupos e os indivíduos, na direcção do estreitamento dos laços de cooperação e solidariedade, sem suprimir a espontaneidade e a independência. Mas entre os extremos, o centralismo herdado da instituição universitária napoleónica e a autonomia sem marca nem medida, é preciso encontrar uma solução intermédia que acabe com o estado presente sem cair no oposto. Os juristas encontrarão com certeza uma fórmula satisfatória, se se persuadirem da necessidade de mudar o regime vigente.
A autonomia que deverá ser concedida às Faculdades permitiria conjugar duas tendências dificilmente conciliáveis que são um dos enleios do ensino médico - a inflexibilidade dos mecanismos centralizadoras e as solicitações do ambiente científico, tecnológico e social. Um sistema administrativo demasiadamente centralizado, autoritário, move-se a custo, e não se adapta às modificações rápidas que imprimem as forças actuantes à vida e à sociedade. De onde resulta que o atraso da instituição relativamente ao mundo que a cerca, é cada vez maior, pois à medida que os problemas se multiplicam, redobra a dificuldade de os resolver, como é próprio de um organismo que a velhice desadaptou à função. Torna-se necessária a autonomia das Faculdades para poderem responder em tempo útil à intensidade das solicitações que recebem, sem terem de esperar pelas decisões das instâncias superiores. Aqui, com em qualquer ramo da administração pública moderna, as virtudes essenciais são a flexibilidade e a capacidade de adaptação. (p. 323-324).
A ideia assenta em duas noções simplistas: que todos os males dimanam da centralização e que as Faculdades são capazes de se autogovernarem. Crê-se que a supressão da tutela do Estado aumenta a liberdade individual dos membros do corpo docente, isto é, a possibilidade de tomarem decisões livremente. Posta a questão nestes termos, é improvável que a almejada autonomia tenha efeitos libertadores, visto que, se desaparecem sujeições, criam-se outras sob a forma de inter-dependências e solidariedades que por força acorrentam as vontades individuais à nova disciplina. A autonomia completa, a ser possível, tem o risco de encerrar as Faculdades em particularismos, afastando-as dos interesses gerais da Nacão. No mundo em que vivemos, tudo corre, os grupos e os indivíduos, na direcção do estreitamento dos laços de cooperação e solidariedade, sem suprimir a espontaneidade e a independência. Mas entre os extremos, o centralismo herdado da instituição universitária napoleónica e a autonomia sem marca nem medida, é preciso encontrar uma solução intermédia que acabe com o estado presente sem cair no oposto. Os juristas encontrarão com certeza uma fórmula satisfatória, se se persuadirem da necessidade de mudar o regime vigente.
A autonomia que deverá ser concedida às Faculdades permitiria conjugar duas tendências dificilmente conciliáveis que são um dos enleios do ensino médico - a inflexibilidade dos mecanismos centralizadoras e as solicitações do ambiente científico, tecnológico e social. Um sistema administrativo demasiadamente centralizado, autoritário, move-se a custo, e não se adapta às modificações rápidas que imprimem as forças actuantes à vida e à sociedade. De onde resulta que o atraso da instituição relativamente ao mundo que a cerca, é cada vez maior, pois à medida que os problemas se multiplicam, redobra a dificuldade de os resolver, como é próprio de um organismo que a velhice desadaptou à função. Torna-se necessária a autonomia das Faculdades para poderem responder em tempo útil à intensidade das solicitações que recebem, sem terem de esperar pelas decisões das instâncias superiores. Aqui, com em qualquer ramo da administração pública moderna, as virtudes essenciais são a flexibilidade e a capacidade de adaptação. (p. 323-324).
Sunday, June 15, 2008
Actualidades I.96. Estruturas Flexíveis e Adaptáveis
Esta estrutura teria carácter experimental, isto é, seria susceptível de modificação, aperfeiçoando se em contacto com experiência.
Aliás, toda a construção institucional, administrativa e pedagógica das novas Faculdades, deve ser encarada com o mesmo espírito evolutivo, aberto à vida e ao movimento, e de forma nenhuma como um quadro de limites fixados de uma vez para sempre. Está-se na época das estruturas flexíveis, adaptáveis, experimentais, coisa inconcebível, bem o sabemos, pela mentalidade conservadora; mas não é justamente essa uma razão para procurar novas soluções? (p. 324).
Aliás, toda a construção institucional, administrativa e pedagógica das novas Faculdades, deve ser encarada com o mesmo espírito evolutivo, aberto à vida e ao movimento, e de forma nenhuma como um quadro de limites fixados de uma vez para sempre. Está-se na época das estruturas flexíveis, adaptáveis, experimentais, coisa inconcebível, bem o sabemos, pela mentalidade conservadora; mas não é justamente essa uma razão para procurar novas soluções? (p. 324).
Saturday, June 14, 2008
Actualidades I.97. Fundo Nacional do Ensino e da Investigação
Claro está que a autonomia, mesmo sob a forma moderada de semi-autonomia como a concebemos, é incompatível com a atribuição autoritária e minuciosa de verbas e rubricas orçamentais, como é próprio das administrações hiper-centralizadas. No entanto, compreende-se que as Faculdades se sujeitem, neste capítulo, às normas gerais de fiscalização dos gastos.
Este assunto, porém, está intimamente ligado à estrutura da Universidade para ser levado mais longe. Todavia, lembramos uma solução intermediária entre o regime centralizador e o regime de semi-autonomia que nos parece ser o que convém às instituições universitárias modernas. Talvez a constituição de um fundo nacional do ensino e da investigação, alimentado pelo Estado e eventualmente por outras fontes (Ministério da Saúde, Previdência Social, Fundações, contratos de investigação com os sectores público ou privado), seja a solução profícua. Um conselho nacional composto por representantes das diversas entidades interessadas pela medicina, encarregar-se-ia da recolha e gestão das verbas, repartindo-as pelas Faculdades, sem que isto impedisse a recolha de fundos privativos pelas próprias Faculdades. (p. 324-325).
Este assunto, porém, está intimamente ligado à estrutura da Universidade para ser levado mais longe. Todavia, lembramos uma solução intermediária entre o regime centralizador e o regime de semi-autonomia que nos parece ser o que convém às instituições universitárias modernas. Talvez a constituição de um fundo nacional do ensino e da investigação, alimentado pelo Estado e eventualmente por outras fontes (Ministério da Saúde, Previdência Social, Fundações, contratos de investigação com os sectores público ou privado), seja a solução profícua. Um conselho nacional composto por representantes das diversas entidades interessadas pela medicina, encarregar-se-ia da recolha e gestão das verbas, repartindo-as pelas Faculdades, sem que isto impedisse a recolha de fundos privativos pelas próprias Faculdades. (p. 324-325).
Friday, June 13, 2008
Actualidades I.98. O Ensino de Pós-Graduação
A função propedêutica do curriculum pressupõe o prolongamento da aprendizagem para lá do ensino ministrado nas Faculdades, o qual se tornou absolutamente insuficiente. Há pois que abrir possibilidades aos alunos de continuarem a sua preparação por intermédio do curso de pós graduados.
A primeira questão resolver é se estes cursos podem ou devem ser instituídos pelas próprias Faculdades, utilizando as mesmas instalações e equipamentos, ou se devem ser ministrados em estabelecimentos distintos, embora ligadas às Faculdades. Para não nos alongarmos, diremos que, no nosso entender, deviam ser separados das Faculdades, possuindo um corpo docente, organização e locais particulares, constituindo-se assim um Instituto de pós-graduados. As funções seriam as seguintes: complemento da educação (dois anos); tirocínio das especialidades, clínica geral inclusive; introdução à carreira de investigação e preparação do doutoramento que virá a constituir uma qualificação profissional, um grau de competência, sem pressupor necessariamente o ingresso na carreira docente.
Na pós-graduação os interesses do professor ficam mais próximos do dos alunos do que nos cursos de pré-graduados, porquanto as matérias incidem sobre conhecimentos adiantados, assentes em grande parte na ciência em formação e na pesquisa. Pode dizer-se que nos curso de pré-graduados domina a preocupação do ensino, ao passo que nos de pós-graduados á a da investigação, tomando os termos no seu significado amplo. (p. 330-331).
Ver também o Decreto-Lei n.º 264/80, de 7 de Agosto.
A primeira questão resolver é se estes cursos podem ou devem ser instituídos pelas próprias Faculdades, utilizando as mesmas instalações e equipamentos, ou se devem ser ministrados em estabelecimentos distintos, embora ligadas às Faculdades. Para não nos alongarmos, diremos que, no nosso entender, deviam ser separados das Faculdades, possuindo um corpo docente, organização e locais particulares, constituindo-se assim um Instituto de pós-graduados. As funções seriam as seguintes: complemento da educação (dois anos); tirocínio das especialidades, clínica geral inclusive; introdução à carreira de investigação e preparação do doutoramento que virá a constituir uma qualificação profissional, um grau de competência, sem pressupor necessariamente o ingresso na carreira docente.
Na pós-graduação os interesses do professor ficam mais próximos do dos alunos do que nos cursos de pré-graduados, porquanto as matérias incidem sobre conhecimentos adiantados, assentes em grande parte na ciência em formação e na pesquisa. Pode dizer-se que nos curso de pré-graduados domina a preocupação do ensino, ao passo que nos de pós-graduados á a da investigação, tomando os termos no seu significado amplo. (p. 330-331).
Ver também o Decreto-Lei n.º 264/80, de 7 de Agosto.
Thursday, June 12, 2008
Actualidades I.99. Instituto de Pós-Graduados
O Instituto dependerá de várias entidades conjuntamente, de todas quantas têm interesse directo na medicina. Esta apresentação múltipla dentro dos corpos dirigentes, quebra o isolamento das instituições de ensino médico, pondo-as em comunicação com a sociedade de que elas são, no fim de contas, um dos aspectos.
A responsabilidade da gerência e direcção caberá, simultaneamente, ao Ministério da Educação (por intermédio das Faculdades de Medicina), e aos Ministérios da Saúde e das Corporações, assim como à Ordem dos Médicos, mas com preponderância, naturalmente, dos representantes da Educação.
A composição do corpo administrativo do Instituto do pós-graduados incluirá, portanto, representantes de sectores da vida nacional que tradicionalmente eram excluídos do ensino da medicina, que é apenas da responsabilidade do Ministério da Educação. Esta maneira de ver corresponde a uma época passada na qual a compartimentação das instituições traduzia a separação das diversas actividades humanas: a educação para um lado, o exercício da profissão para outro; a formação intelectual era uma coisa, a utilização do talento era outra. À clausura universitária correspondiam outras clausuras: da saúde, da assistência, da previdência, da política social. Separar, dividir, compartimentar, tal era o pensamento que criou as estruturas vigentes. Muito diferentes são as tendências da modernidade. Estas levam à convergência, à cooperação, à desvinculação das antigas formas de comportamento dos indivíduos das estruturas. «Tout se tient» na natureza e na história. O viver em sociedade é um tecido denso de relações de que o homem é ao mesmo tempo a causa e o efeito. Introduzindo, portanto, nas novas instituições as inter-relações que a evolução social criou, fazem-se participar no movimento da comunidade, dando-lhes vida e dinamismo. Obsta-se desta maneira à propensão para o endurecimento e para a esclerose que constituíam o risco das instituições tradicionais. Aliás, o facto era inevitável porque nas sociedades pouco evolutivas as instituições reflectiam os ritmos lentos da história, fixando-lhe as características por tempo indefinido. Não assim nas sociedades modernas, em que as mudanças se fazem com rapidez, quando não inesperadamente. (p. 331).
A responsabilidade da gerência e direcção caberá, simultaneamente, ao Ministério da Educação (por intermédio das Faculdades de Medicina), e aos Ministérios da Saúde e das Corporações, assim como à Ordem dos Médicos, mas com preponderância, naturalmente, dos representantes da Educação.
A composição do corpo administrativo do Instituto do pós-graduados incluirá, portanto, representantes de sectores da vida nacional que tradicionalmente eram excluídos do ensino da medicina, que é apenas da responsabilidade do Ministério da Educação. Esta maneira de ver corresponde a uma época passada na qual a compartimentação das instituições traduzia a separação das diversas actividades humanas: a educação para um lado, o exercício da profissão para outro; a formação intelectual era uma coisa, a utilização do talento era outra. À clausura universitária correspondiam outras clausuras: da saúde, da assistência, da previdência, da política social. Separar, dividir, compartimentar, tal era o pensamento que criou as estruturas vigentes. Muito diferentes são as tendências da modernidade. Estas levam à convergência, à cooperação, à desvinculação das antigas formas de comportamento dos indivíduos das estruturas. «Tout se tient» na natureza e na história. O viver em sociedade é um tecido denso de relações de que o homem é ao mesmo tempo a causa e o efeito. Introduzindo, portanto, nas novas instituições as inter-relações que a evolução social criou, fazem-se participar no movimento da comunidade, dando-lhes vida e dinamismo. Obsta-se desta maneira à propensão para o endurecimento e para a esclerose que constituíam o risco das instituições tradicionais. Aliás, o facto era inevitável porque nas sociedades pouco evolutivas as instituições reflectiam os ritmos lentos da história, fixando-lhe as características por tempo indefinido. Não assim nas sociedades modernas, em que as mudanças se fazem com rapidez, quando não inesperadamente. (p. 331).
Wednesday, June 11, 2008
Actualidades I.100. Mudança Acelerada
[…] o ensino de pós-graduados sofre mais intensamente que o de pré-graduados o efeito das transformações sociais, por dois motivos: por estar mais próximo da fonte das inovações, que é a investigação, e por se repercutirem nele imediatamente as necessidades de «mão-de-obra médica». A actividade científico-médica cria novos meios de melhorar a saúde e tratar da doença, o que desperta e consciencializa necessidades, as quais, por sua vez, incitam o empreendimento de novas pesquisas e aplicações tecnológicas. Logo que se desencadeia o processo, principia a mudança acelerada, e, com ela, a transformação fatal das estruturas, das instituições e das inteligências. «Rien ne s’arrête dans une société où la technique évolue», diz Louis Armand. (p. 331-332).
Tuesday, June 10, 2008
Actualidades I.101. Identificar o Professor com o Investigador
[…] a investigação alcançou um lugar de primeira grandeza, convertendo-se numa ocupação regular, profissionalizada. A utilidade dos seus resultados e o seu prestígio, atraem para a carreira de investigador os melhores estudantes, os mais aptos e competentes, privando a carreira docente de elementos valiosos. Até hoje tem-se considerado o ensino e investigação ligados tão intimamente que se chegou a identificar o professor com o investigador. Começam, porém, a aparecer dificuldades do lado pedagógico e do lado da pesquisa, parecendo que a identidade se volve em relativa separação. Claro está que estas tendências manifestam-se por enquanto nos centros de ensino mais avançados; nos retardatários o problema ainda não se põe. (p. 332).
Monday, June 09, 2008
Actualidades I.102. Os Predicados de um Bom Investigador Não São os Mesmos que os de um Bom Professor
É, contudo, conveniente ponderar os motivos que levam à desarticulação parcial das duas actividades [investigação e ensino]. Limitamo-nos a citar os argumentos principais.
O primeiro, e talvez o importante, é a complexidade progressiva da investigação que obriga a consagrar-lhe todo o tempo e inteligência, não deixando lugar para exercer o professorado. O segundo, é que os predicados de um bom investigador não são os mesmos que os de um bom professor. Este tem mais afinidades com o clínico, pois ambos necessitam de dotes afectivos e intelectuais que favorecem os contactos humanos. Por isso a combinação clínico-professor talvez venha a ser mais frequente que a de investigador-professor. Além da disposição psicológica há a considerar outras de diferente natureza, por exemplo, o prestígio crescente da investigação, as remunerações mais altas (indústria privada, contratos de investigação), a comodidade (pense-se nas dependências da clínica e da função docente), etc. Por outro lado quem se consagra de alma e coração à pesquisa deixa-se absorver por ela; a atenção concentra-se em pontos limitados, o horizonte escolar, pedagógico, pode restringir-se até comprometer o gosto pelo ensino. Os alunos vêem que o professor se interessa mais pelo laboratório do por eles e, naturalmente, a eficiência e o prestígio da função docente baixam, assim como o da profissão. Elevam se, pelo contrário, os da pesquisa e os estudantes sentem-se atraídos por ela. Assim se explica, em parte, que os jovens se inclinem hoje para a investigação científica, laboratorial, e comece a notar-se um certo abandono do exercício da clínica e da actividade docente. (p. 332-333).
O primeiro, e talvez o importante, é a complexidade progressiva da investigação que obriga a consagrar-lhe todo o tempo e inteligência, não deixando lugar para exercer o professorado. O segundo, é que os predicados de um bom investigador não são os mesmos que os de um bom professor. Este tem mais afinidades com o clínico, pois ambos necessitam de dotes afectivos e intelectuais que favorecem os contactos humanos. Por isso a combinação clínico-professor talvez venha a ser mais frequente que a de investigador-professor. Além da disposição psicológica há a considerar outras de diferente natureza, por exemplo, o prestígio crescente da investigação, as remunerações mais altas (indústria privada, contratos de investigação), a comodidade (pense-se nas dependências da clínica e da função docente), etc. Por outro lado quem se consagra de alma e coração à pesquisa deixa-se absorver por ela; a atenção concentra-se em pontos limitados, o horizonte escolar, pedagógico, pode restringir-se até comprometer o gosto pelo ensino. Os alunos vêem que o professor se interessa mais pelo laboratório do por eles e, naturalmente, a eficiência e o prestígio da função docente baixam, assim como o da profissão. Elevam se, pelo contrário, os da pesquisa e os estudantes sentem-se atraídos por ela. Assim se explica, em parte, que os jovens se inclinem hoje para a investigação científica, laboratorial, e comece a notar-se um certo abandono do exercício da clínica e da actividade docente. (p. 332-333).
Sunday, June 08, 2008
Actualidades I.103. Uma Ocupação Subsidiária
Seria uma excentricidade dissociar o ensino da investigação, quando a medicina é cada vez mais uma profissão científica. Investigar deve constituir uma actividade inerente à docência, visto que é pela prática da investigação que o ensino se aviventa, se liberta da rotina e progride. A questão não é portanto restaurar o antigo lente e ensino magistral-expositivo, mas harmonizar o espírito de indagação, de crítica dos factos e das doutrinas, com o ensino, isto é, com a transmissão do saber, de hábitos de trabalho, de autonomia intelectual. O professor, para isso, não necessita consagrar-se totalmente à pesquisa, fazendo do magistério uma ocupação subsidiária que o distrai dos seus interesses principais, mas precisa de desenvolver o espírito científico, experimental, renovador. Segundo as suas preferências, cultivará com mais desvelo a clínica, o ensino ou a pesquisa, mas sem que a investigação constitua condição «sine qua non» do professorado. O importante é que as estruturas sejam suficientemente elásticas para consentirem e, mais do que isso, para incitarem, o livre desenvolvimento das tendências de cada docente, para que a variedade se torne fonte de progresso e obstáculo à uniformidade e à rotina. O escopo do professor é o ensino, apoiado nas ciências naturais, sociais e humanas, e na tecnologia, numa atmosfera de investigação. (p. 333).
Saturday, June 07, 2008
Actualidades I.104. Carreira de Investigação
As novas Faculdades devem possuir uma carreira de investigador paralela e intercomunicante com as carreiras docente e hospitalar. A situação presente é insustentável, se querermos ver um dia a investigação deixar a contextura artesanal, e o regime aleatório em que vive, cerceando-a das condições precisas de desenvolvimento. A produção científico-médica é baixa porque carece de estrutura, organização, gente, equipamento, dimensões e, sobretudo, de verbas.
A carreira por si só não remedeia nada, pode até ser um mal, se acaso for instaurada sem os precisos condicionamentos e garantias. «Vocações» não faltam, o essencial é aproveitá-las, proporcionando lhes uma carreira que não seja um beco sem saída. Numerosos jovens sentem-se atraídos pela investigação, mas quase todos se extraviam por falta de estruturas acolhedoras. Ora enquanto elas não existirem, o trabalho científico criador permanecerá tal como é - alimentado por um ou outro talento esforçado à beira do desânimo. (p. 333).
A carreira por si só não remedeia nada, pode até ser um mal, se acaso for instaurada sem os precisos condicionamentos e garantias. «Vocações» não faltam, o essencial é aproveitá-las, proporcionando lhes uma carreira que não seja um beco sem saída. Numerosos jovens sentem-se atraídos pela investigação, mas quase todos se extraviam por falta de estruturas acolhedoras. Ora enquanto elas não existirem, o trabalho científico criador permanecerá tal como é - alimentado por um ou outro talento esforçado à beira do desânimo. (p. 333).
Friday, June 06, 2008
Actualidades I.105. Ciência Portuguesa
Ao falarmos de isolamento e dispersão dos investigadores e dos centros de pesquisa, não aludimos somente à falta de relações entre os centros nacionais, mas principalmente à pequena ou nula ligação com os grandes centros europeus. É uma ilusão julgar que o labor científico é produtivo quando se efectua no âmbito de uma Faculdade ou de um país pequeno com fracas tradições neste particular. Devia ser estimulado o contacto permanente, orgânico e recíproco, com os centros principais em que a criatividade e as ideias germinam e de onde irradiam para toda a parte. Há uma espécie de espírito provinciano na noção de que em ciência as fronteiras funcionam de isoladores, como se de «folklore» se tratasse. A ciência em Portugal não pode ser senão um aspecto da ciência universal, embora com o carácter peculiar que lhe imprimem as pessoas e o meio. A ciência portuguesa é a ciência feita em Portugal, e nada mais.
Também aqui é imperioso desvincular as ideias e a acção dos conceitos tradicionais que favorecem o isolamento dos centros de estudo nacionais entre si e entre eles e os estrangeiros. Seria utilíssimo estabelecer programas de investigação à escala europeia, centrados num núcleo estrategicamente situado, em torno do qual gravitem laboratórios especializados e coordenados. Em face da complexidade científica e administrativa, da extensão da pesquisa, da especialização e do número dos investigadores, do pessoal técnico e do volume das despesas, só a concentração em grandes unidades alcança as finalidades desejadas. Graças aos meios modernos de informação e comunicação, a unificação do trabalho científico é compatível com a descentralização relativa, porque a integração pode fazer-se à distância.
Porventura será esta a maneira de levar as regiões ou países cientificamente retardatários a entrarem na via franca do progresso. O esforço de pequenas unidades é incapaz de determinar o arranque. (p. 333-334).
Também aqui é imperioso desvincular as ideias e a acção dos conceitos tradicionais que favorecem o isolamento dos centros de estudo nacionais entre si e entre eles e os estrangeiros. Seria utilíssimo estabelecer programas de investigação à escala europeia, centrados num núcleo estrategicamente situado, em torno do qual gravitem laboratórios especializados e coordenados. Em face da complexidade científica e administrativa, da extensão da pesquisa, da especialização e do número dos investigadores, do pessoal técnico e do volume das despesas, só a concentração em grandes unidades alcança as finalidades desejadas. Graças aos meios modernos de informação e comunicação, a unificação do trabalho científico é compatível com a descentralização relativa, porque a integração pode fazer-se à distância.
Porventura será esta a maneira de levar as regiões ou países cientificamente retardatários a entrarem na via franca do progresso. O esforço de pequenas unidades é incapaz de determinar o arranque. (p. 333-334).
Thursday, June 05, 2008
Actualidades I.106. A Quantidade Transmuda-se em Qualidade
Deixaríamos uma lacuna aberta se não tocássemos num dos pontos nevrálgicos da modernidade do ensino da medicina - o acesso às Faculdades. Como se sabe, a causa imediata da reorganização universitária é a afluência dos alunos. Foi este facto que chamou a atenção dos responsáveis, criando-lhes problemas insolúveis com os métodos reformistas, isto é, introduzindo apenas melhoramentos. Considerando, como há ainda quem considere, «a invasão da massa» um fenómeno «quantitativo», sem ver nada mais para além disso, é-se levado a adoptar soluções imperfeitas, portanto a reformas superficiais. O facto é que assistimos à confirmação da ideia hegeliana que tem sido combatida em nome de certas ideologias anti-modernas: a quantidade, atingindo determinado do grau, transmuda-se em qualidade. Ora é justamente o que sucede. O número de alunos destrói as velhas estruturas e o conceito elitista da Universidade. Não se aceitando esta ideia, desconhece-se a raiz da «crise» universitária, por conseguinte, não se aplicam os remédios apropriados, contribuindo-se para o prolongamento da situação. (p. 334-335).
Wednesday, June 04, 2008
Actualidades I.107. Um Problema Humano e Deontológico
Por um facto explicável, as nossas Faculdades de Medicina só há três ou quatro anos começaram a sentir os efeitos da «explosão escolar». Mas estão presentemente a braços com dificuldades que vão agravar-se infalivelmente. Não é preciso ser adivinho para prever as perturbações que o aumento da população estudantil determina. O ensino, já deficiente, piorará pelas razões conhecidas, a principal das quais é a desproporção da relação pedagógica aluno-professor. Se nas cadeiras básicas a situação é má, quando os alunos chegarem nos próximos anos às cadeiras clínicas, tornar-se-á melindrosa. As relações com os doentes nas consultas e nas enfermarias, são diferentes a todos os respeitos das relações com cadáveres, aparelhos ou tubos de ensaio. Passa a haver, além de um problema pedagógico, um problema humano e deontológico dedicadíssimo, que se repercutirá na preparação dos médicos «formados» pelas Faculdades. (p. 335).
Tuesday, June 03, 2008
Actualidades I.108. Inquietação e Nervosismo
Perante a gravidade do caso apontam-se soluções derivadas mais da inquietação e nervosismo perante um estado imprevisto, que de um pensamento prospectivo, realista, crítico. A ideia é singela, expedita, falsa. Consiste em obstar à entrada de alunos em excesso, isto é, além da capacidade pedagógica das Faculdades. Mas logo se vê que esta prática conduz à exclusão de numerosos candidatos, quando temos grande necessidade de médicos; à consolidação do regime e métodos do ensino, cujos defeitos são patentes; ao desperdício de aptidões e, por fim, a adiar ou impedir a instauração de novas Faculdades. Além disso, o «numerus clausus» favorece a selecção social, contrariando a escolha baseada no talento. O candidato preterido, mas «economicamente forte» repetirá o concurso as vezes precisas até entrar; o outro sairá vencido e frustrado à primeira tentativa. (p. 335).
Monday, June 02, 2008
Actualidades I.109. O Exame de Aptidão
O «numerus clausus» é defensável quando há lugar em outras Faculdades para os alunos eliminados, circunstância que não se observa entre nós. O «numerus clausus» dá bom ou péssimo resultado, segundo as condições: pode ser um meio de seleccionar os mais aptos, mas pode também ser, e seria no nosso caso, uma maneira de agravar a falta de médicos perpetuando uma selecção imperfeita. Pouco acrescentaremos às inteligentes objecções que o Prof. Gouveia Monteiro faz no texto transcrito na «Antologia» sobre o exame de aptidão. Apenas sublinhamos que a designação peca por ser demasiadamente expressiva, quer dizer, inculca virtudes à prova que ela não tem, nem pode ter. Na verdade o exame é incapaz de averiguar se o candidato possui ou não aptidão para médico, mas somente se conhece as matérias constantes da prova. O ponto delicado é justamente saber quais são as aptidões para ser médico. Apesar de o assunto ter importância, não podemos demorar-nos. Convém atentar, no entanto, que ser médico, isto é, exercitar a medicina clínica, é um conceito muito mais restrito do que ser licenciado em medicina. Este pode seguir carreiras ou exercer funções completamente estranhas à função clássica do médico - aquele que observa e trata doentes. Um radiologista, analista, anatomista, fisiologista, anátomo-patologista, bacteriologista, sanitarista, investigador, e tantos outros, podem ter contactos episódicos, fugazes ou nulos com os doentes. Quando se fala em aptidão, que tipo de médico, que especialidade, se tem em vista? (p. 335-336).
Sunday, June 01, 2008
Actualidades I.110. O Médico do Futuro
Por outro lado, segundo a época, o lugar, as condições de vida e cultura, o modelo varia, e é sempre atrasado em relação ao momento presente. A imagem do médico, o arquétipo, é naturalmente uma realidade criada pela tradição do grupo social. Ainda mesmo nas sociedades desenvolvidas persiste a figura idealizada do «médico de cabeceira» e da medicina-sacerdócio. Aqui surge outro estorvo: é que as faculdades têm de preparar o médico do futuro e não reproduzir o do passado. É mais que certo que daqui a vinte anos o médico será muito diferente do de hoje. Por consequência as Faculdades têm de saber antecipadamente qual é a evolução social e médica, para poderem com tempo adaptar o curso às necessidades futuras e não às passadas.
Antigamente, como o progresso era lento, a previsão era fácil a curto e a longo prazo. Mas as coisas mudaram de figura: prever não só é muito mais difícil como se tornou também imprescindível. É claro que a visão antecipada do rumo que vai seguir a medicina, de tal maneira que se possa por aí orientar o ensino, não está ao nosso alcance, mas já é muito ter a noção que é preciso fazer previsões, não deixando as coisas ao acaso da oferta é da procura.
Baseando-nos em observações e conjecturas próprias e alheias, talvez se possa esboçar a fisionomia da medicina das décadas que se aproximam. As diferenças tornam-se mais evidentes comparando-a com a medicina tradicional. Como vimos esta é uma medicina individualista, cujo paradigma consiste no colóquio entre o doente e o médico, sem interferência de ninguém. Em segundo lugar, é uma medicina curativa, que se dirige a remediar males ou enfermidades, já declaradas. Em terceiro lugar, os serviços médicos para os doentes sem recursos, que são a maioria, têm carácter assistencial, isto é, o Estado e as organizações benévolas, acodem às carências principais discricionariamente.
Este tipo de serviço clínico atingiu o apogeu na época do capitalismo liberal, do qual, aliás, é o reflexo no campo da medicina. Hoje está em decadência, ainda que a defesa encarniçada que dele se faz possa levar a crer no seu vigor. São combates de retaguarda, travados por todas as formações sociais quando se avizinham do crepúsculo, como é sabido.
As transformações que experimenta presentemente a medicina e as que estão à vista, consistem no seguinte: se bem que o acto médico continue a ser a relação entre o doente e o médico, as suas condições de realização modificaram-se pela interferência de factores externos que lhe garantem a eficácia, médica e social. A sociedade que na medicina tradicional se alheava, ou quase, da distribuição dos serviços médicos, passa a tomá-los a seu cargo, afiançando assim o direito positivo à assistência médica a todos quantos necessitam dela. Em vez de acção individual, a medicina torna-se num serviço social.
Esta será a característica preponderante da medicina do futuro. Outras são as seguintes: predomínio das actividades preventivas e reabilitadoras sobre as curativas; medicina de equipa, de grupo, concentrada em grandes ou pequenas unidades (hospitais gerais e especializados, centros de saúde, dispensários), integrados num Serviço de Saúde. À dispersão e à multiplicação anárquica de instituições e estabelecimentos médicos, que tem sido uma causa de ineficiência, sucede uma organização coerente, homogénea, capaz de reunir os meios e de os ordenar de modo que qualquer indivíduo, no momento necessário, tenha os serviços médicos de que precisa.
Este vasto programa foi esboçado pela Ordem dos Médicos no «Relatório das Carreiras Médicas» (1961). (p. 336-337).
Antigamente, como o progresso era lento, a previsão era fácil a curto e a longo prazo. Mas as coisas mudaram de figura: prever não só é muito mais difícil como se tornou também imprescindível. É claro que a visão antecipada do rumo que vai seguir a medicina, de tal maneira que se possa por aí orientar o ensino, não está ao nosso alcance, mas já é muito ter a noção que é preciso fazer previsões, não deixando as coisas ao acaso da oferta é da procura.
Baseando-nos em observações e conjecturas próprias e alheias, talvez se possa esboçar a fisionomia da medicina das décadas que se aproximam. As diferenças tornam-se mais evidentes comparando-a com a medicina tradicional. Como vimos esta é uma medicina individualista, cujo paradigma consiste no colóquio entre o doente e o médico, sem interferência de ninguém. Em segundo lugar, é uma medicina curativa, que se dirige a remediar males ou enfermidades, já declaradas. Em terceiro lugar, os serviços médicos para os doentes sem recursos, que são a maioria, têm carácter assistencial, isto é, o Estado e as organizações benévolas, acodem às carências principais discricionariamente.
Este tipo de serviço clínico atingiu o apogeu na época do capitalismo liberal, do qual, aliás, é o reflexo no campo da medicina. Hoje está em decadência, ainda que a defesa encarniçada que dele se faz possa levar a crer no seu vigor. São combates de retaguarda, travados por todas as formações sociais quando se avizinham do crepúsculo, como é sabido.
As transformações que experimenta presentemente a medicina e as que estão à vista, consistem no seguinte: se bem que o acto médico continue a ser a relação entre o doente e o médico, as suas condições de realização modificaram-se pela interferência de factores externos que lhe garantem a eficácia, médica e social. A sociedade que na medicina tradicional se alheava, ou quase, da distribuição dos serviços médicos, passa a tomá-los a seu cargo, afiançando assim o direito positivo à assistência médica a todos quantos necessitam dela. Em vez de acção individual, a medicina torna-se num serviço social.
Esta será a característica preponderante da medicina do futuro. Outras são as seguintes: predomínio das actividades preventivas e reabilitadoras sobre as curativas; medicina de equipa, de grupo, concentrada em grandes ou pequenas unidades (hospitais gerais e especializados, centros de saúde, dispensários), integrados num Serviço de Saúde. À dispersão e à multiplicação anárquica de instituições e estabelecimentos médicos, que tem sido uma causa de ineficiência, sucede uma organização coerente, homogénea, capaz de reunir os meios e de os ordenar de modo que qualquer indivíduo, no momento necessário, tenha os serviços médicos de que precisa.
Este vasto programa foi esboçado pela Ordem dos Médicos no «Relatório das Carreiras Médicas» (1961). (p. 336-337).
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