RUI MACHETE – A origem social dos estudantes portugueses. In «A Universidade na Vida Portuguesa». Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais, 1969. Vol. 1, p. 213-247.
Excertos:
O Estado de direito consagrando a divisão dos poderes, com a sua enumeração dos direitos fundamentais e a subordinação estreita das actividades administrativa e jurisdicional à lei, entendida como norma jurídica de carácter geral e abstracto, corresponde a uma bem concreta situação social e política do século passado, caracterizada pelo domínio da classe burguesa. Esta verdade foi compreendida com toda a clareza por Marx e contribuiu, sem dúvida, para a sua concepção da luta de classes como luta política, bem como para o esclarecimento do significado político do Estado liberal. O Estado burguês de direito pressupunha igualmente uma nítida separação entre a Sociedade e o Estado. A ordem social apresentava-se como concretização de um princípio «justo» de organização da Sociedade. Os direitos individuais, inscritos na constituição, asseguravam com particular vigor, frente ao Estado, a intangibilidade dessa ordem social. O dualismo Sociedade-Estado traduzia-se numa definição de zonas de competências próprias e autónomas.
São por demais conhecidas as vicissitudes de diversa índole que obrigaram o Estado a abandonar essa atitude respeitosa e passiva e lhe impuseram o dever de intervenção na vida económica e social, que revestido da sua autoridade pública, quer participando nas actividades produtivas como qualquer outro empresário. Aqui queremos tão somente referir que a conformação de uma ordem social nova, norteada por princípios de justiça distributiva, se tornou na mais ingente tarefa do Estado moderno. «Verteilungsstaat», Estado de repartição de bens, na impressiva designação de Forsthoff, preocupa se em garantir aos seus cidadãos, não só a igualdade jurídica e política, mas também, em certa medida, uma maior nivelação económica e social e, sobretudo, uma igualdade de oportunidades. Para tanto utilizará os mais variados processos técnicos, desde a reestruturação dos sistemas fiscais e da política monetária e salarial, até à visão global de um planeamento integrando sectores económicos e sociais. A extensão do «suum cuique tribuere» para além da zona tradicional da remuneração do trabalho levou, por seu turno, a observar os problemas do ensino a outra luz.
Essas novas tendências não tardaram a encontrar eco nas declarações de direitos contemporâneas, de que o artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem constitui o melhor e mais conhecido exemplo: «1. Todas as pessoas têm direito à educação. A educação deve ser gratuita pelo menos no que se refere ao ensino elementar e fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve ser aberto a todos, em completa igualdade, em função do mérito próprio.
Vemos, assim, que neste domínio e por felicidade rara, há uma certa harmonização entre as exigências éticas e as necessidades económicas. Enquanto a actual penúria de técnicos se mantiver, e as previsões indicam-nos que a situação tende a perdurar por longo período, não haverá contradição entre os imperativos éticos e os económicos. Esta concorrência propicia a criação de uma mentalidade receptiva às reformas da estrutura de ensino e predispõe a atitudes mais inovadoras por parte dos poderes públicos e dos próprios consumidores de educação. (p. 219-221).
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