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Saturday, August 04, 2007
IV. O Ministério de Frei Tomás
Varrer a poeira
Antes de propor legislação sobre o regime jurídico das instituições de ensino superior, o Ministério arrumou a casa. Começou pela orgânica do MCTES (Decreto-Lei n.º 214/2006 de 27 de Outubro), a que se seguiram as orgânicas da Secretaria-Geral do Ministério, da Direcção-Geral do Ensino Superior (decretos-lei n.º 150 e 151/2007 de 27 de Abril, respectivamente) e do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (Decreto Regulamentar n.º 60/2007, igualmente, de 27 de Abril). Seguiram-se as estruturas nucleares da Secretaria-Geral do MCTES, da Direcção-Geral do Ensino Superior, do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais e as competências das respectivas unidades orgânicas (portarias n.º 548, 549 e 547/2007 de 30 de Abril, respectivamente).
Ficou, assim, salvaguardada a honra do convento, não fosse alguém chamar o Ministro de ferrador. Qualquer pessoa com uma vida pública tem que estar preparada para enfrentar apoiantes e detractores; críticas, comentários e julgamentos razoáveis e destituídos de qualquer fundamento; caricaturas, piadas e anedotário bem humorado e de profundo mau gosto. Chamam-lhes todos os nomes, ofendem as mães, vêm as visadas a terreiro comunicar à maioria do povo que não são as progenitoras dos desgraçados. Um reitor honorário é comparado a um sapateiro, coisa que, não há muito, era do domínio de alguns cirurgiões.
Os meios de comunicação substituíram, parcialmente, instituições como a igreja, os sindicatos e até os partidos políticos, na formação e representação das opiniões dos cidadãos e na distribuição do poder. Os serviços públicos de informação entram em decadência e surgem os grandes conglomerados de meios de informação globais. Assiste-se a uma profunda transformação nas formas de prestação de contas políticas, crítica da governação e reacção aos escândalos políticos. Com a Internet, aparecem novas formas de comunicação em rede, com um público crescente. A liberdade de expressão, as relações entre o poder e os meios de comunicação, a própria democracia já não são aquilo que eram.
Foi a notícia publicada pelo Jornal de Negócios, na segunda-feira, 21 de Maio de 2007, que despertou a minha atenção. As universidades e politécnicos vão passar a prestar contas ao Governo. Não quinquenal, nem anual, nem tão pouco semestral, mas trimestralmente. Porquê trimestralmente? Mensal, semanal, diária ou até em «tempo real» não seria mais curial, atendendo aos meios de informação e comunicação que um Ministério, que também é da Ciência, tem à sua disposição, nomeadamente com a colaboração da Microsoft? Enfim, por qualquer misteriosa razão, até hoje nunca explicada, ficou-se pelo trimestral, como a reactivação dos cartões dos telemóveis.
Transparência orçamental, despesas com pessoal, fiscal único e auditorias externas
«As instituições de ensino superior públicas têm o dever de informação ao Estado como garantia de estabilidade orçamental e de solidariedade recíproca, bem como o dever de prestarem à comunidade, de forma acessível e rigorosa, informação sobre a sua situação financeira.» (Artigo 112.º da Proposta de Lei do RJIES).
Assim, «para efeitos de acompanhamento da evolução das despesas com o pessoal, as instituições de ensino universitário públicas [devem remeter] trimestralmente ao ministro responsável pela área das finanças e ao ministro da tutela os seguintes elementos: a) Despesas com pessoal, incluindo contratos de avença, de tarefa e de aquisição de serviços com pessoas singulares; b) Número de admissões de pessoal, a qualquer título, e de aposentações, rescisões e outras formas de cessação do vínculo laboral; c) Fundamentação de eventuais aumentos de despesa com pessoal que não resultem de actualizações salariais, cumprimento de obrigações legais ou transferência de competências da administração central. A informação … deve ser remetida nos termos fixados pelo ministério responsável pela área das finanças. Em caso de incumprimento injustificado dos deveres de informação previstos no presente artigo, bem como dos respectivos prazos, pode ser retido até 10% do duodécimo das transferências correntes do Orçamento do Estado por cada mês de atraso.» (Artigo 125.º).
«A gestão patrimonial e financeira das instituições de ensino superior públicas é controlada por um fiscal único, designado, de entre revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas, por despacho conjunto do ministro responsável pela área das finanças e do ministro da tutela, ouvido o reitor ou presidente, e com as competências fixadas na lei-quadro dos institutos públicos.» (Art.º 117.º). «Compete ao conselho geral, sob proposta do reitor ou do presidente aprovar a proposta de orçamento e as contas anuais consolidadas, acompanhadas do parecer do fiscal único.» (Art.º 82.º, n.º 2, d) e e) e Art.º 92.º, n.º 1, a) iv)).
O regime orçamental das instituições de ensino superior públicas obedece à seguinte regra: «Fiabilidade das previsões de receitas e das despesas, certificada pelo fiscal único» (Art.º 113.º, n.º 1, a)). «Os relatórios anuais do fiscal único são remetidos ao ministro responsável pela área das finanças e ao ministro da tutela.» (Art.º 118.º, n.º 3). Os serviços de acção social «estão sujeitos à fiscalização exercida pelo fiscal único». (Art.º 128.º, n.º 2, b)).
«Sem prejuízo das auditorias mandadas realizar pelo Estado, as instituições de ensino superior públicas devem promover auditorias externas, a realizar por empresas de auditoria de reconhecido mérito, por si contratadas para o efeito. As auditorias externas realizam-se de dois em dois anos, devendo uma reportar-se à primeira metade do mandato do reitor ou presidente e a seguinte preceder em três meses o final do mandato correspondente. Os relatórios das auditorias referidas nos números anteriores, bem como os relatórios anuais do fiscal único, são remetidos ao ministro responsável pela área das finanças e ao ministro da tutela.» (Art.º 118.º).
Relatório anual das actividades e contas
«Compete ao conselho geral, sob proposta do reitor ou do presidente apreciar o relatório anual das actividades da instituição.» (Art.º 82.º, n.º 2, c)). Ao reitor ou ao presidente, da universidade ou o instituto politécnico, respectivamente, incumbe-lhe, designadamente, elaborar e apresentar ao conselho geral as propostas de relatório anual de actividades e «comunicar ao ministro da tutela todos os dados necessários ao exercício desta, designadamente os planos e orçamentos e os relatórios de actividade e contas.» (Art.º 92.º, n.º 1, a) iii) e u)).
«As instituições de ensino superior aprovam e fazem publicar um relatório anual consolidado sobre as suas actividades, acompanhado dos pareceres e deliberações dos órgãos competentes, dando conta, designadamente: a) Do grau de cumprimento do plano estratégico e do plano anual; b) Da realização dos objectivos estabelecidos; c) Da eficiência da gestão administrativa e financeira; d) Da evolução da situação patrimonial e financeira e da sustentabilidade da instituição; e) Dos movimentos de pessoal docente e não docente; f) Da evolução das admissões e da frequência dos ciclos de estudos ministrados; g) Dos graus académicos e diplomas conferidos; h) Da empregabilidade dos seus diplomados; i) Da internacionalização da instituição e do número de estudantes estrangeiros; j) Da prestação de serviços externos e das parcerias estabelecidas; l) Dos procedimentos de auto-avaliação e de avaliação externa e seus resultados.» (Art.º 159.º).
É punível com coima de 10 000 euros a 100 000 euros ou de 1 000 euros a 5 000 euros, consoante seja aplicada a ente colectivo ou a pessoa singular, a omissão de publicação do relatório anual a que se refere o artigo 159.º (Art.º 164.º, n.º 1, i)).
Entre os elementos disponibilizados no seu sítio na Internet incluem-se, obrigatoriamente, os relatórios de autoavaliação e de avaliação externa da instituição e das suas unidades orgânicas. (Art.º 161.º, n.º 2).
«As instituições de ensino superior estão sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas nos termos da lei geral.» (Art.º 158.º).
«As instituições de ensino superior públicas devem apresentar anualmente um relatório de contas consolidadas com todas as suas unidades orgânicas. O relatório … deve incluir a explicitação das estruturas de custos, diferenciando actividades de ensino e investigação para os vários tipos de carreiras, de forma a garantir as melhores práticas de contabilização e registo das estruturas de custos das instituições de ensino e investigação.» (Art.º 160.º).
Administrador, Fiscalização e Inspecção
«As instituições de ensino superior públicas têm um administrador, escolhido entre pessoas com saber e experiência na área da gestão, com competência para a gestão corrente da instituição e a coordenação dos seus serviços, sob direcção do reitor ou presidente. O administrador é nomeado e livremente exonerado pelo reitor ou presidente, … é membro do conselho de gestão e tem as competências que lhe sejam fixadas pelos estatutos e delegadas pelo reitor ou presidente. A duração máxima do exercício de funções como administrador não pode exceder dez anos.» (Art.º 123.º).
«As instituições de ensino superior estão sujeitas aos poderes de fiscalização do Estado, devendo colaborar leal e prontamente com as instâncias competentes.» (Art.º 148.º). «Os estabelecimentos de ensino superior estão sujeitos à inspecção do ministério da tutela. Os serviços competentes do ministério da tutela procedem regularmente a visitas de inspecção a todos os estabelecimentos de ensino em funcionamento, podendo fazer-se acompanhar de especialistas nas áreas relevantes. Os relatórios de inspecção são notificados ao estabelecimento de ensino e, no caso dos estabelecimentos de ensino privados, à entidade instituidora.» (Art.º 149.º).
O regime orçamental das instituições de ensino superior públicas obedece à sujeição à fiscalização e inspecção do ministério responsável pela área das
finanças. (Art.º 113.º, n.º 1, e)). É punível com coima de 2 000 euros a 20 000 euros ou de 500 euros a 5 000 euros, consoante seja aplicada a ente colectivo ou a pessoa singular: A recusa ou obstrução ao exercício da actividade de inspecção do ministério da tutela; A recusa de colaboração ou obstrução ao exercício da actividade de fiscalização do Estado; e a prestação ao ministério da tutela de informações falsas, ou de informações incompletas susceptíveis de induzir a conclusões erróneas de efeito idêntico ou semelhante ao que teriam informações falsas sobre o mesmo objecto. (Art.º 164.º, n.º 2, d), e) e g)).
«A tentativa e a negligência são puníveis.» (Art.º 164.º, n.º 3).
O que faz Frei Tomás?
Até esta data, não foi possível apurar qual tem sido e qual é a situação financeira do Ministério, nem a quem é que o Ministério remete a mesma informação, que pretende receber das instituições de ensino universitário públicas e se, caso tenha igual dever de informação, está sujeito à mesma retenção de transferências. Não se sabe quem é o fiscal único, de entre revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas, que controla a gestão patrimonial e financeira do Ministério. Não são conhecidos quaisquer pareceres, certificações e relatórios anuais de um qualquer fiscal único do Ministério, nem de auditorias externas promovidas pelo Ministério, realizadas por empresas de auditoria de reconhecido mérito, por si contratadas para o efeito, ou que alguma auditoria se tenha realizado reportando-se à primeira metade do mandato do ministro e esteja prevista uma outra para três meses antes do final desse mandato.
Não se conhecem relatórios anuais de actividade e contas do Ministério, que tenham sido apreciadas por qualquer entidade com uma composição semelhante à do proposto conselho geral. Quais as coimas com que são puníveis as omissões do Ministério? Quem é o administrador do Ministério e qual a limitação temporal do seu exercício de funções? Quem tem fiscalizado e inspeccionado o Ministério? Quais as coimas o punem, caso não tenha colaborado ou tenha obstruído o exercício da fiscalização das actividades e contas do Ministério, assim como a prestação de informações falsas, ou de informações incompletas susceptíveis de induzir a conclusões erróneas de efeito idêntico ou semelhante ao que teriam informações falsas sobre o mesmo objecto?
Quanto vai custar ao erário público o funcionamento de todos os órgãos e a elaboração de todos os documentos e relatórios previstos na proposta de lei?
Quem é que na tutela ou nas finanças vai ler, analisar e conferir todos os relatórios propostos e quanto é que isso vai custar aos contribuintes?
O Ministério não é punível por tentativa e negligência?
«Ou há moralidade ou comem todos».
07/06/19
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