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Friday, August 03, 2007
III. No País das Maravilhas
No país das Sete Maravilhas do Mundo, dotado de uma constituição com 296 artigos, é absolutamente normal que se legisle sobre o ensino superior em 163 artigos, dispersos irregularmente por 10 secções, 23 capítulos e 7 títulos ocupando 79 páginas.
Estatisticamente foram alcançadas taxas de 2,06 artigos por página, 16,3 por secção, 7,09 por capítulo e 23,3 por título. Quanto a páginas, tem-se 0,485 páginas por artigo, 7,90 por secção, 3,43 por capítulo e 11,3 por título. Não menos interessante, para efeitos estatísticos, é o número de secções por capítulo e por título, 0,345 e 1,43, respectivamente. Esta análise fica completa, considerando ainda a taxa de 3,28 capítulos por título.
Estas estatísticas reflectem o facto do número de subdivisões não decrescer com a subida na hierarquia. A proposta de lei apresenta, portanto, uma estrutura piramidal distorcida. A um pequeno número de elementos que mantêm a sua autoridade desde «o tempo da outra senhora», segue-se um conjunto legislativo, já amadurecido, responsável pelo funcionamento de, praticamente, todo o sistema. Prosseguindo em direcção à base da pirâmide, encontra-se uma obstipação legislativa que se prolonga durante vários anos. Após esse segmento e possivelmente devido a algum laxismo sócio-político, preconizou-se abundantemente, com efeitos imprevisíveis nos horizontes de médio e longo prazo. Será então que the stuff hits the fan, mas nessa altura já nós cá não estamos.
Tem-se, assim, em contraste com um enorme poder de análise, reflectido nos diagnósticos que foram feitos, uma total ausência de poder de síntese. Fica-se com uma percepção semelhante à que se tem quando se faz uma pergunta e o interlocutor leva horas a responder. Esta é uma falha relativamente grave tanto no domínio da expressão artística e literária como técnica e científica. Neste contexto, pode indicar falta de vontade de realização, má gestão do tempo, falta de disciplina e método, dificuldades de decisão, carência de objectividade e incapacidade para orientar.
O contraste chega a ser chocante quando se observa que o Morrill Act ou Land-Grant College Act de 1862 tem oito secções (artigos), em três páginas. Claro que a excelência gera a excelência, enquanto a mediocridade alimenta a mediocridade. Por isso, considerando que na proposta de lei se cita «conselho geral» 54 vezes, é difícil imaginar que os conselhos gerais possam ter estatutos só com vinte ou trinta artigos como acontece com certos Board of Regents. Isso é num país com uma constituiçãozeca de sete artigos subdivididos num total de 21 secções e com 27 emendas. Abençoados os pobres de espírito.
A propósito, o facto da proposta de lei não conter um preâmbulo não pode, nem deve ser interpretado como sinal de menor consideração pela instituição que se propõe regimentar. Afinal o preâmbulo só é necessário para expor a necessidade e intenção legislativas, explicar os mecanismos adoptados na proposta e as razões que presidiram às escolhas. Isto de explicar as razões que presidiram às escolhas já é ir um pouco longe de mais. Quando se tem maioria absoluta tem que se explicar razões a quem? Para que serve a disciplina partidária? Para quem é bacalhau basta.
Matéria preambular não falta. Basta, por exemplo, fazer um bocado de cortar e colar à intervenção do Primeiro no debate mensal de Dezembro, entre outras declarações de intenções. O comunicado de imprensa, feito com bastante antecedência, já explica tudo. Por outro lado, se o IST se lembra de mais alguma alteração, lá se tem que reescrever também o preâmbulo. Não há pachorra.
Certo é que munidos do «melhor modelo de governo que uma Universidade deve adoptar», dos «órgãos de governo que melhor se adequam ao equilíbrio interno de uma instituição universitária europeia neste início do século XXI» e do «sistema de decisão que melhor se adapta às exigências de uma instituição que se quer ágil, mais eficiente e mais relevante», surge, agora, um problema novo, mas totalmente esperado. É que não há tradutores, nem fotocopiadoras, nem pessoal suficiente para dar vazão aos pedidos de cópias que chegam dos quatro cantos do Mundo. Todos querem adoptar esta legislação. Finalmente, o Quinto Império. À custa, não «do sangue de tantos mártires», mas de apenas 79 páginas.
Ora apesar de todas as manifestações contrárias, de agitadores profissionais a soldo do estrangeiro, o povo é sereno. Sabe que não tem motivos para se preocupar com propostas de lei. Em Portugal são seguidas as melhores regras e práticas da boa governação: cada um governa-se como pode. As leis são feitas para não serem cumpridas. São feitas somente para se ficar bem na fotografia nas reuniões internacionais. Portugal é o país onde é anunciado, publicitado e afixado que há situações de tolerância zero. É, portanto, oficial que, fora desses casos, a lei não é para se cumprir.
Apetece-me dizer bem que este é um artigo prolixo, produto de uma imaginação fértil e humor sarcástico de alguém que, claramente, is mad as hell and is not gonna take it anymore.
(O gajo tem a mania que é intelectual).
07/06/10
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1 comment:
O Virgílio estava mesmo inspirado, quando escreveu este "post".
Só isso, hoje, me faria rir.
Por mim, tal como ameacei, continuo a colorir (a diferentes cores: os concordo, os discordo até debaixo de água, os não percebo e a "palha de entretenimento") o tal RJIES_MCTES_v2.5.
Não sei se vou conseguir acabar a empreitada, a que me comprometi, nesta minha vida terrena já longa, mas pode crer que até em alma penada, vou descontar em alguém, deles, esta minha gastura de tempo.
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