Para aqueles que não são muito dados a estas artes e para que todos os outros percebam exactamente do que se está a falar, considerem-se, para efeitos deste texto, as seguintes definições de surrealismo e surrealista.
O surrealismo é um movimento artístico e literário surgido na Europa nos anos 20, que utiliza imagens ilógicas e irracionais numa atmosfera de fantasia, criando um ambiente sonhador. A característica deste estilo é a utilização do subconsciente como fonte da criatividade, tal como acontece nas fantasias, sonhos e pesadelos mais horríveis. É o pensamento «sem qualquer controlo exercido pela razão e sem quaisquer preocupações estéticas ou morais». As obras surrealistas contêm o fantástico em justaposições e combinações incongruentes que sugestionam o inconsciente a fim de invocar a empatia do observador.
O surrealista usa pontos de vista estranhos e vacilantes, rejeita a chamada ditadura da razão e os valores burgueses como pátria, família, religião, trabalho e honra. Humor, sonho e a contra-lógica são recursos a serem utilizados para libertar o homem da existência utilitária. As ideias de bom gosto e decoro devem ser subvertidas.
Não conheço melhor descrição de Portugal e do seu governo, o que me leva a afirmar, com alguma convicção, que Portugal é um país surrealista.
Entre as técnicas utilizadas pelo surrealista conta-se o caligrama, em que as palavras, letras e números tomam uma forma relacionada com o tema, por exemplo, uma lei. Outra técnica, a colagem, é um conjunto de coisas diferentes, criando, digamos, uma nova lei. Noutros casos, a lei é feita automática ou involuntariamente vazando um material fundido em água fria. À medida que o material arrefece toma aquilo que parece ser uma forma aleatória ou ao acaso, ainda que as propriedades físicas dos materiais envolvidos possa levar a uma conglomeração de artigos, secções, capítulos e títulos. O artista pode utilizar uma variedade de técnicas para alterar o produto final. Esta técnica é também utilizada no processo divinatório chamado ceromancia.
Na cubomania o método é cortar uma imagem em quadrados e colá-los de qualquer maneira para fazer uma lei. Textos dos jornais e revistas, podem também ser cortado em pedaços ao acaso e rearrumados para criar uma nova lei, que nesse caso é o resultado de notícias latentes. Numa decalcomania, passa-se um mata-borrão pelo texto, ou raspa-se (raspagem) enquanto a tinta ainda está fresca e o que ficar é a lei. A lei também pode ser elaborada por mais de uma pessoa. No método cadravre exquis escreve-se, primeiro, numa folha de papel que é dobrada, para esconder o que está escrito, e passada a outrem para uma contribuição adicional. Se a lei for em duas colunas, na coluna da esquerda é escrita a primeira estrofe e na da direita é escrita outra estrofe e assim sucessivamente, de uma forma automática, formando-se um poema em eco.
Uma das principais ideias trabalhadas pelos surrealistas é a da escrita automática, segundo a qual o impulso criativo se dá através do fluxo de consciência despejado sobre a obra. O autor não está consciente do que é escrito. A escrita é feita num transe ou num estado de consciência em relação ao que se passa em seu redor, mas não dos resultados da escrita. Ainda segundo esta ideia, a obra não é um produto de génio, mas do mais comum dos cidadãos.
Quando a lei é fumada, aquilo que fica no papel são as impressões causadas pelo fumo. Também se pode tirar uma fotografia, cujo negativo antes de ser fixado é aquecido até se ter uma emulsão que depois de revelada produz uma lei distorcida aleatoriamente. O resultado é também chamado de lei indecifrável, ilegível ou asémica. A lei pode também ser um exemplo de uma escultura involuntária, produzida por um distraído a manipular qualquer coisa, tal como a rolar e desenrolar papéis, ou resultar de se ter estado a seguir atentamente o movimento de um líquido por uma parede vertical abaixo.
Se o objecto não aparece na lei, é um caso de forografia. Se a lei tiver três exposições diferentes, como se fosse um rolo de filme, feitas por três entidades diferentes, a probabilidade de algum do conteúdo ser claro e objectivo é praticamente nula. Na verdade, encontrar quaisquer limites do negativo, durante o processo de revelação é uma tarefa quase impossível. Normalmente a revelação do texto de uma lei assim é um exercício da técnica automática em si e por si própria. O texto é cortado a metro, sem levar em consideração pelo que deve estar presente na lei. O resultado tem uma qualidade remeniscente do período de transição durante o sono em que um pesadelo subitamente se transforma noutro. Este processo também ocorre quando um legislador, na sua ânsia de continuar legislar, se vê de repente confrontado com facto de já não saber sobre que mais legislar.
O método crítico-paranóico é uma técnica que resulta numa lei com duas ou mais versões das quais uma lei ambígua pode ser interpretada de maneiras diferentes. Se se tenta encontar uma face humana nos arranjos aleatórios de uma lei, tal como a face de um homem na lua, a técnica é a pareidolia. Por ouro lado, o parsemage é uma técnica que faz lembrar o processo de fotocópia.
07/06/07
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2 comments:
Falta um método (ou será uma técnica?!
Conhecido como o "Golpe da Boina".
Procedimento:
Colocam-se várias frases feitas e à medida da conclusão, escritas em tiras de papel, no interior de uma boina basca.
Baralham-se bem os conteúdos.
Pede-se ao miúdo ou à miúda da vizinha de baixo e na presença da mãe para irem tirando à sorte os pedaços de papel.
Passa-se o resultado por um scanner.
Converte-se em PDF.
Publica-se!
Tendo lido este "Fardo..." com a experiência pessoal de quase 18 meses de leitura atenta e desesperada da legislação que dizia respeito ao meu caso pessoal e que ia aparecendo publicada (mas raramente regulamentada antes de se ver se estoirava nas mãos de alguém) tenho a declarar, do meu ponto de vista de mulher dos estudos humanísticos, que este texto está genial.
Sinceramente!
Margarida Ribeiro
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