Monday, September 03, 2007

V. Grandes e Pequenos


Era uma vez um país pequeno em tamanho, mas que teve grandes políticos. O Infante D. Henrique, de Sagres ou O Navegador. D.João II, O Príncipe Perfeito pela forma como exerceu o poder, o senhor dos senhores, não o servo dos servos. Manuel Fernandes Tomás, figura primordial do liberalismo vintista. Silvestre Pinheiro Ferreira, filósofo e ministro do Interior, Guerra e Negócios Estrangeiros, depois de 1820. Mouzinho da Silveira, uma das personalidades maiores da revolução liberal. Almeida Garrett, escritor e dramaturgo romântico, orador, Par do Reino, ministro e secretário de Estado honorário português. Feliciano de Castilho, autor da Chronica certa muito verdadeira da Maria da Fonte, escrevida por mim mesmo que sou seu tio, o mestre Manuel da Fonte, sapateiro do Peso da Régua, dada à luz por um cidadão demitido que tem tempo para tudo. José Estêvão, de 1836 a 1862, a figura dominante da oposição de esquerda na Câmara dos Deputados. Alexandre Herculano, para quem «a pátria tinha o direito de exigir tudo de seus filhos, menos o aviltamento.» Rebelo da Silva, magistrado e jurisconsulto notável, deputado às Cortes Constituintes de 1820 e membro da Regência do Brasil de 1822.

Henriques Nogueira, cujos Estudos … foram uma das bases ideológicas do programa do Partido Republicano Português, e os escritos influenciaram a legislação social da Primeira República Portuguesa. D. Pedro V, O Esperançoso, O Bem-Amado ou O Muito Amado. Antero de Quental, para quem os ideais de fraternidade e solidariedade não podiam ser em vão. Teófilo Braga, autor de obras de história literária, etnografia, poesia, ficção e filosofia, doutorado em direito, Presidente da República. Oliveira Martins, historiador, economista, antropólogo, crítico social e político, cujos trabalhos tiveram considerável influência na vida política do seu tempo. Eça de Queirós, diplomata e um dos nomes mais importantes da literatura portuguesa. Sampaio Bruno, figura cimeira do ideário republicano Portuense. João Chagas, jornalista, escritor, crítico literário, diplomata e Primeiro Ministro. Raul Proença, figura cimeira do pensamento político português no primeiro quartel do século XX, marcando decisivamente a intervenção cívica durante a Primeira República Portuguesa. António Sérgio, escritor, pensador, pedagogo e político dos mais marcantes do século XX português. Uma longa lista de apenas alguns exemplos.

A pequenez é contagiante e nesse país há, cada vez mais, pequenos políticos. Pessoas sem qualidades, cuja ambivalência em relação à moral e indiferença em relação ao público os faz dependerem da opinião dos outros para formarem o seu próprio carácter. Personalidades sem personalidade, para quem a falta de qualquer essência profunda e a ambiguidade como atitude geral perante a vida são as principais características. Incapazes de decidirem ou até de não decidirem, tal como religiosos que, de momento, não acreditam em nada. Sem um sentido comum da realidade ou com um sentido da realidade suspenso.

Gente que apela a todos os patriotas a uma acção furiosa para demonstrarem a supremacia política, cultural e filosófica do país, em manifestações que chamem a atenção dos cidadãos e dos povos de todo o Mundo, para sempre. Falsos empreendimentos, cujo objectivo é tudo e coisa nenhuma. Repositórios perfeitos de toda a espécie de idealismos frustrados, beneficências desgovernadas e charlatanismo descarado.

Homens e mulheres de borracha, cujo espectáculo é demasiado desmoralizante e revoltante para a juventude que esperou mais de trinta anos para os ver, agora, sentados nas cadeiras das assembleias e da burocracia. Que coisa terrível de se ser. Que coisa triste de se ver. Gente cheia de promessas e discursos vazios. A soberania, una e indivisível, reside no povo (N.º 1 do Artigo 3.º da Constituição). Os representantes eleitos e os governantes, não eleitos, não são soberanos; servem. Seria bom que não se esquecessem disso, para que representem os interesses do país, em vez dos seus próprios interesses, em dissonância com a maioria dos eleitores.

A nação está refém dum movimento de ignorância, de políticos desqualificados, aspones e asmenes hostis à acomodação e incapazes de lidar adequadamente com as tensões sociais e políticas. O serviço é tão mau que nem o vencimento merecem. Os contribuintes reclamam a devolução do dinheiro que recebem.

É crescente a intolerância, a desonestidade intelectual. Aceitam que lhes sejam atribuídos graus universitários que não existem. Na página oficial é dado o título de «Prof.» ao Presidente. Será porque está em acumulação? Na biografia lê-se que «quando foi eleito Presidente …, era professor catedrático na universidade». Se era é porque já não é, certo? Uma no prego, outra na ferradura.

Negar a evidência que se tem à frente é uma forma extrema de um mecanismo de sobrevivência: a negação. É difícil pôr num divã um governo e um partido que insistem em afirmar como facto, o que não ocorreu. Isso, porém, não impede que se diga que estão «num estado de negação». O que os denuncia é o perpétuo optimismo que manifestam, uma certeza patológica de que tudo está a correr bem. As pessoas recorrem à negação quando reconhecem que a verdade irá destruir qualquer coisa a que têm muito apego.

Uma coisa que todos tentam proteger é uma auto-imagem positiva. Quanto mais importante é o aspecto da própria imagem que é posto em causa pela verdade, tanto maior é a probabilidade de se enveredar pela negação. Se se tem um forte sentido da sua própria importância e competência, qualquer assomo de dúvida de si próprio, qualquer aceitação de fracasso pode ser devastadora e qualquer admissão de erro, dolorosa, ao ponto de ser impensável. A negação resulta da dissonância entre acreditar que se é competente e cometer um erro, o que choca com essa imagem. A solução: negar o erro cometido.

Se um político pensa que é competente e inteligente e toma uma decisão de consequências desastrosas, a única maneira de reconciliar a sua auto-imagem com o falhanço é negar o falhanço. Um político que acredita que detém a verdade torna-se incapaz de se auto-corrigir, fechando os olhos à informação que o pode levar a duvidar da decisão que tomou. Um político, cuja auto-imagem de competência e inteligência superior é posta em causa, pela verdade de que cometeu um erro, é muito mais provável que negue essa verdade.

O domínio pode ser exercido, mas a autoridade legítima tem que ser ganha. Não é o caso de uma administração com um Plano Tecnológico, incapaz de manter iluminadas as ruas, praças e estradas do país. Estão fundidas as lâmpadas e nós também, estamos às escuras.

1 comment:

Alexandre Sousa said...

É o Fado, Virgílio é o Fado, mas este que o meu amigo descreve, não é da Rua do Capelão, é de Vilar de Perdizes.

Um abraço