Sunday, June 24, 2007

Cidadãos

… não imputar a superioridade de qualquer nação à superioridade dos seus governos, mas à superioridade das suas elites e às energias criadoras da sua Grei. Se os parlamentares [doutro país] não são como os nossos pais-da-pátria, a sua capacidade para tutelar um povo não é por isso muito maior: os negócios de uma nação não cabem na pasta de um ministro, nem no tinteiro de um legiferante: o povo [desse país] não sobreleva pelo valor dos seus políticos, mas pela têmpera dos seus produtores, dos seus cidadãos. … Aí estão graníticas realidades, incriáveis à força de papelada, e absolutamente imprescritíveis por qualquer forma de legislação.

Mas há outra ideia a recomendar aos nosso confortáveis compatriotas, amigos da tutela e do palavreado: e é que não só a superioridade do [cidadão desse país] não procedeu da dos governantes, senão que ele próprio a foi roborando pela restrição activa e quotidiana da esfera de acção dos donos do Estado. … Longe de lhe pedir qualquer auxílio, o [cidadão desse país] de raça mais pacato tende a ver no Estado um inimigo, e é um revolucionário ordeiro de todos os dias; mas o nosso revolucionário, por via de regra, é um pretendente a ditador. Não são bons políticos o que mais nos falta: do que se carece em Portugal é de verdadeiros cidadãos, de um povo capaz de se organizar a si, de exigir dos tribunos ideias nítidas, soluções concretas.

(Artigo publicado na «Águia», Junho 1917).
António Sérgio - A Propósito dos Ensaios Políticos de Spencer. In «Ensaios». 2.ª ed. t. II, p. 181-204.

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