Saturday, June 09, 2007

Reforma

Quanto a nós o melhor socialismo é o que mais harmonizar com os costumes e ideias do povo, a que é aplicado; o que mais rapidamente produzir os seus bons efeitos; o que mais facilmente se puder difundir por todos os recantos do país; o que for concebido no interesse de todos e não de alguns dos grupos sociais; o que não ferir os razoáveis e legítimos direitos de ninguém; o que, finalmente, constituir uma sociedade, em que o pobre não tenha inveja do rico, mas possa vir a sê-lo pelo seu trabalho, e em que o rico não avexe o pobre, antes o proteja fraternalmente.

Era uma reforma, fundada nestes princípios, que nós desejáramos ver realizada no nosso país. E para que ela se fizesse não carecíamos por certo de resolver os fundamentos da sociedade, de tocar, sequer, nos princípios, para nós respeitáveis e santos da família e da propriedade. Bastava-nos, tão-somente, desenvolver o gérmen fecundíssimo da associação, dar ao imposto um alcance mais justo e uma aplicação mais conveniente, e extinguir, por último, um certo número de disposições vexatórias e que abunda a nossa legislação.

Quereis felicitar, até um certo ponto, o homem de trabalho. Tendes um meio fácil. Não lhe deis nada – mas tirai-lhe de sobre os ombros o peso dos males, com que sucumbe. Livrai-o a ele e a seus filhos do cordão do recrutamento, que os arrasta do seio da família e do granjeio da sua indústria para as brutalidades e vícios da vida militar, e para os horrores do campo de batalha. Livrai-o das garras dos agentes do fisco e da alcunhada justiça que o depenam sem dó. Espécie daninha, insaciável e numerosíssima, os escrivães são actualmente para o povo os dignos sucessores dos portageiros, oitaveiros e dizimeiros dos antigos, mui nobres e reverendos senhorios destes reinos, que Deus tem, e conserve, em sua santa glória. Livrai-o das unhas não menos agudas da agiotagem local, que sob o título de empréstimo, adiantamento, compra e venda de géneros, lhe tira do corpo a própria camisa. Livrai-o, por último, da rede de impostos, que o cinge, por toda a parte, no selo do requerimento que faz, no maneio da pequena indústria que o sustenta, nos direitos dos géneros que cultiva, na sisa do prèdiozinho que compra, no suo do tabaco que o destrói, e sob muitas outras formas.

Se o vosso ânimo é generoso e banfazejo e quereis aproximar mais da felicidade o homem de trabalho, dai-lhe instituições civilizadoras e económicas apropriadas às suas necessidades. Dotai-o com escolas em que os eus filhos obtenham ao pé da porta, com agasalho e atractivos, uma educação física, moral e literária, que sirva de base a sua carreira futura. Destinai-lhe oficinas e obras públicas, onde ele, na falta do trabalho dos particulares, possa sempre ganhar o pão de cada dia. Proporcionai-lhe caminhos transitáveis, por onde lhe seja fácil levar os seus frutos ao mercado; fontes copiosas, que lhe satisfaçam as necessidades domésticas; dinheiro a baixo juro para o seu tráfego; e instrumentos aperfeiçoados para a sua indústria.

Se a tudo isto juntares a inspiração dos hábitos de sociabilidade, em que ele deve viver com seus irmãos, e dos sentimentos de benevolência recíproca com que lhe cumpre tratar e socorrer os menos felizes, tereis feito a bem do homem de trabalho, senão tudo, a maior parte do quanto humanamente é possível fazer-lhe.

Henriques Nogueira, J. F. - A Miséria Só Terá Remédio Quando se Removerem Todas as Causas que a Produzem. In «Estudos Sobre a Reforma em Portugal». Lisboa, 1851. p. 283-294.

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