Saturday, June 23, 2007

Descentralização II

Com efeito, se a fecundidade interna que aí vemos, e o esforço constante de iniciativa que faz progredir a Sociedade, leva a desdenhar as mutações de cenário em que se deleita a fantasia dos sentimentais, estes (dos quais somos, os Portugueses), incapazes de se moverem realmente, amam muito a mobilidade nos simples aspectos das instituições, como quando vamos ao cinematógrafo para ter a ilusão das grandes viagens das grandes viagens, da actividade, do movimento, sem trabalho algum da nossa parte e muito bem sentados numa poltrona. O meridional pseudoculto (crédulo em que de abstracções e constituições pode chover um maná de bem-aventuranças, de riquezas, de liberdades, as quais não tenhamos de conquistar pelo nosso esforço quotidiano) há-de rejeitar a solução que os factos citados nos apontam para o problema que nos propusemos, a saber: a descentralização, na sua essência, não é uma forma ou modalidade do direito administrativo: é uma reacção psicológica; por isso não golfa mecanicamente de uma reforma administrativa, mas pode gerar-se organicamente por um sistema de educação.

(Artigo publicado na «Águia», Junho 1917).
António Sérgio - A Propósito dos Ensaios Políticos de Spencer. In «Ensaios». 2.ª ed. t. II, p. 181-204.

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