Saturday, June 23, 2007

Descentralizar

Procure adquirir cada cidadão português uma noção geral da maneira prática de darmos ao país da realidade o lugar que lhe compete; procure governar a sua vida económica por meio de instituições cooperativas; procure compreender alguma coisa dos interesses económicos da sua terra, de como esses interesses tomarão corpo nas cooperativas e nos sindicatos, de como os grupos desses interesses se organizarão no município, e os interesses provinciais nas assembleias provinciais nas assembleias provinciais, que devem ser corpos legislativos com larga alçada administrativa, sobretudo pelo que respeita às finanças e à economia. A base deste regionalismo não são as diferenças de tradições (se bem que as não desprezemos, como auxiliares), mas dessemelhanças que promanam de condições económicas diversas. Criem-se em suma as elites locais, capazes de dirigir com espírito largo os negócios concretos da região, de civilizar o povo com quem estão em contacto e de inspirar as decisões do governo central; e o estado, ao mesmo tempo, que chame as associações a colaborar com ele. Para suscitar as elites locais, cumpre reformarmos por completo a escola, introduzir nela a autonomia escolar (instrução cívica pelo self-government), a educação intelectual pela iniciativa do aluno e o trabalho produtivo em comunidade (ou cooperativa), …

Tudo isto significa, em resumo, descentralizar - mas descentralizar … pelo espírito. O espírito é tudo. Não curemos de obter o efeito - só por meio de reformas legislativas, políticas e formais. Se descentralizássemos no código, sem cuidar de descentralizar nas almas, - ou sucederia novo fracasso, como em 1878, ou adicionaríamos ao grande Estado outros estadinhos omnipotentes, com seus ódios de campanário e com a mesma espécie de banditismo que se manifesta nos largos bandos Enquanto à maioria da gente honesta faltasse a perseverança e organização cívica para regerem os negócios da vida comum, havia de tripodiar no município a mesma casta de habilidosos que domina a política do grande Estado.

(Artigo publicado na «Águia», Junho 1917).
António Sérgio - A Propósito dos Ensaios Políticos de Spencer. In «Ensaios». 2.ª ed. t. II, p. 181-204.

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