Sunday, June 24, 2007

Conta-Corrente

Façam-se grandes caminhos-de-ferro, atendam-se os clamores das grandes cidades, mas oiçam-se algumas vezes as vozes dos humildes e dos pequenos. A Póvoa necessita um porto. E isso que os poveiros não podem pedir, porque não lhes ensinaram a falar, não é um favor, é uma dívida. Na sua conta-corrente com o Estado, eles dão tudo e recebem nada. Porque não se lhes restituirá o valor de cinco ou seis anos do imposto do pescado, fazendo-se-lhes o porto que não custa mais do que uma centena de contos?

Cem contos, eis aí o orçamento da obra já estudada, mas que dorme o sono plácido burocrático, destino dos projectos que não interessam aos poderosos. Cem contos, Senhor [Rei D. Luís I], não correspondem a mais do que a Póvoa dá de imposto em cinco ou seis anos. Cem contos, a seis por cento, amortizáveis em 60 anos, não custam mais do que réis 6 187$563 ao ano, isto é muito menos de metade do que o imposto do pescado produz cada ano.

É simples, é justo, é fácil – não é assim? Porque se não realiza, pois?

Porque eles, pobres pescadores, não podem, nem sabem fazer conluios, nem unir-se resolutamente no dia dos votos e vendê-los à boca da urna. Este processo, com que na civilização se repete o processo dos bandoleiros, é o único meio de obter no vosso Reino aquilo a que se tem direito, e até aquilo a que se não tem jus.

São contudo, mais de quatro mil súbditos vossos; contribuem para a produção anual do Reino com 300 ou 400 contos da riqueza líquida, positivamente arrancada do seio das ondas à custa de trabalhos e mortes. Alimentam entre mulheres e filhos mais de outras tantas pessoas: alimentam é um modo de dizer, porque de Inverno passam fomes com as bravezas do mar. Comem com eles à mesa, cerceando-lhes a colheita das redes, a Senhora da Lapa, as vareiras, e o fisco. Dão por ano ao vosso Tesouro o melhor de 15 contos de réis – uns 5 ou 6 por cento do produto bruto de uma indústria em que o trabalho é tudo; uns 5 ou 6 por cento roubados ao pão de cada dia.

Dão 15 contos por ano ao vosso Tesouro, e custam nada, coisa alguma recebem do vosso Governo. E isto dura assim, anos após anos; e os Invernos vêm e os Verões passam, e o mar ruge e os barcos voltam-se, e as mulheres desgrenhadas choram, e os homens caem no fundo do mar, afogando-se – caem como as gotas de água, pesadas e vagarosas, antes da tempestade! O poveiro, Senhor, nada sabe, por isso nada exige; não há que temer daí as trovoadas sociais! Por isso mesmo ninguém o ouve; por isso mesmo ninguém lhe paga uma parte sequer da dívida enorme da Nação para com ele.

Oliveira Martins - Requerimento dos Poveiros. In «Política e Economia Nacional». 2.ª ed., 1885. p. 195–205.

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