Friday, June 08, 2007

Sociedade

Em virtude dessa necessidade de organização, admitimos limitações à liberdade plena de cada um (por exemplo, no campo económico): não o fazemos, porém, em nome de supostos direitos da sociedade (à qual não reconhecemos existência real, transcendente aos indivíduos que se associam), mas em nome da liberdade dos outros indivíduos, - sobretudo dos pobres, quando colocados pela pobreza em uma espécie de escravidão. Adversário do realismo, rejeitamos, tanto o realismo social dos De Bonalds e dos Durkheims, como o realismo psicológico da alma-substância individual. O eu, o outro, a relação do eu e do outro (sociedade), são, quanto a nós, momentos vários de um mesmo processo do pensar. (V., no tomo I, o ensaio «Educação e Filosofia»). Falando em termos do vocabulário de Comte, para exprimir uma tese bem diversa da dele: síntese individual e síntese social são ambas igualmente «subjectivas». Hipostasiar a sociedade, concebê-la como um ser que se põe acima dos indivíduos, é abrir a porta à Razão-de-Etado e às hordas de furiosos que pretendem fazer, como diz o Voltaire, «du malher de chacun le bonheur général».

(Artigo publicado na «Águia», Junho 1917).
António Sérgio - A Propósito dos Ensaios Políticos de Spencer, in «Ensaios», t. II, 2.ª ed. P. 181-204.

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