Estado comatoso é o de um adormecimento em que o doente cai desde que deixa de sofrer as excitações vitais. Essas excitações na sociedade são o amor público e o amor privado; o primeiro traduzindo-se pelos sentimentos da pátria, da humanidade, que se reflectem na política; e o segundo pelos da liberdade e de trabalho que se reflectem na família. O coma diagnostica-se experimentalmente numa sociedade pelos princípios práticos sobre que ela assenta, princípios que a toda a hora ouvirás, leitor, e que nem já te chocam, tão comuns são. Para que hei-de tomar sobre os ombros o peso da família se o grémio, o café e o prostíbulo me substituem, vantajosamente, o salão, a casa de jantar e o quarto de dormir? Para que hei-de matar-me a trabalhar, se um emprego se sou modesto, a política se possuo o quid, ou a agiotagem hão-de dar-me uma sorte grande? Que se importa comigo a pátria? Pois eu importo-me outro tanto com ela! Além disso é de homem sério, respectable, à inglesa, não se meter em política: arranjem isso como quiserem!
Eis aí os sintomas do estado comatoso na sociedade. Esse estado que dá com ela nas mãos dos condottieri da política e da agiotagem é o nosso. Nesse estado todas as revoluções são possíveis e fáceis. Os princípios dão-nos, não direi já a força bruta, porque essa época passou, mas sim uma coisa superficial e factícia, que se faz, se labora, alta noite nos conciliábulos das redacções e que se chama cinicamente opinião pública. Opinião do que dorme! Se amanhã o movimento reaccionário-jesuíta, o republicano individualista, o comunista mesmo, adquirissem entre nós uma certa preponderância, crês tu, leitor, que verias emigrar a flor dos nossos homens públicos?
Oliveira Martins - Portugal e o Socialismo. Lisboa: Guimarães, 1873.
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Sunday, June 24, 2007
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