Sunday, June 17, 2007

Justiça

A praia é só: a vila [Póvoa] fica distante. Estavam na praia as mulheres da companha esperando o barco, para o verem sossobrar… Então o silêncio despedaçou-se em gritos lancinantes, como o ranger das velas quando no meio dos temporais o vento furioso as despedaça em fitas. Era um rasgar de almas aflitas, soando em ais selvagens, que o mar lívido, impassível, não escutava.

Escutam-no os que têm ouvidos e alma para não serem monstros mortos, como é o mar? Não, Senhor [D. Luís I], não escutam! Todos os ouvidos estão cheios, um dia com o sussurrar da intriga e da veniaga eleitoral, o outro dia com o estrépito das aclamações às vitórias ganhas no campo imundo das batalhas da política. Como os bandoleiros de Wallenstein, eles só amam a peleja pelo saque; e, envenenados pelo desvario do próprio pensamento, se lhes dizem que há deveres a cumprir, sem o negarem, encolhem os ombros, e, por descargo de consciência, dão esmolas.

A esmola, Senhor, é o miserável recurso dos que não podem, ou não sabem distribuir justiça. A esmola não pode ser instituição, é apenas virtude. Flor que só viça nomistério da vida íntima, murcha-se ao contacto do ar duro da vida pública. Eu, que não duvidaria pedir esmola para um pobre, não peço esmola para uma população – reclamo justiça.

Oliveira Martins - Requerimento dos Poveiros. In «Política e Economia Nacional». 2.ª ed. 1885. p. 195–205.

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